Cerca de 250 crianças percorrem trajeto, todo dia, até escola do Cruzeiro; para aula à tarde, muitos saem de casa às 11h. Secretaria diz que oferece só biscoitos porque aula ‘não é em turno integral’
Um aluno de 8 anos desmaiou de fome, nesta semana, enquanto assistia à aula em uma escola do Cruzeiro, no Distrito Federal. A criança mora no Paranoá Parque, um empreendimento do Minha Casa, Minha Vida. Como não há colégio público no local, as 250 crianças do condomínio percorrem 30 quilômetros, todos os dias, para frequentar a escola.
“A gente chamou o Samu. Quando o Samu chegou e fez o atendimento, e viu que era fome, até o rapaz praticamente chorou”, conta a professora Ana Carolina Costa, que dava aula para a criança que sofreu o desmaio.
“A gente se sentiu impotente. Como uma criança desmaia de fome?”
Em nota enviada à TV Globo, a Secretaria de Educação disse “lamentar” o caso do estudante, e informou que não oferece almoço às crianças porque não há ensino integral na unidade. A reportagem insistiu e, em uma nova resposta, a pasta disse que vai “reavaliar” a situação.
No comunicado, a secretaria diz que fornece um “lanche” a cada turno – segundo funcionários, a merenda é composta por biscoito e suco, na maioria das vezes.
Fome e pobreza
De acordo com a equipe da Escola Classe 8 do Cruzeiro, a reclamação de fome é comum entre os alunos. As aulas acontecem à tarde mas, por causa da distância e do número de paradas, muitas crianças saem de casa às 11h, e passam o horário de almoço no transporte escolar do governo.
Como as famílias têm renda baixa, muitos desses alunos saem sem almoçar. Segundo Ana Carolina, boa parte das crianças nem tem o que comer em casa, e vão à escola contando com a merenda.
“Ficam dispersos, não prestam atenção. Eles falam: ‘tia, tô com fome.’ […] A escola faz o que pode, chama a família, o Conselho Tutelar, não é omissão da escola”, diz a professora.
O lanche citado pela Secretaria de Educação é fornecido por volta das 15h30, no recreio das aulas da tarde. Após recobrar os sentidos, a criança que desmaiou em sala de aula contou aos médicos do Samu qual tinha sido a última refeição: um prato de mingau de fubá, comido no dia anterior.
Pedido de exceção
Os professores da Escola Classe 8 dizem ver sentido na alegação da Secretaria de Educação – que oferta almoço apenas para crianças em turno integral, que passam o dia nos colégios –, mas pedem que uma exceção seja aberta a esses alunos, em razão do trajeto e da condição social.
“O que a escola precisa é que seja ofertado um complemento. A gente não vai alimentar essas crianças com biscoito”, diz a professora Fabiane Rios.
A reclamação é encampada pelo Sindicato dos Professores (Sinpro-DF), que diz já ter enviado contestação ao governo sobre o caso. “Já pedimos diversas vezes para oferecer almoço e lanche para essas crianças. Como elas vêm de muito longe, não dá para ficar só com o lanche parcial”, diz o diretor da entidade, Samuel Fernandes.
Das 250 crianças que saem do Paranoá Parque rumo à escola do Cruzeiro, quatro são filhos da dona de casa Jeane de Amorim. Desempregada, ela diz que enfrenta problemas, diariamente, para alimentar as crianças.
Por que tão longe?
Durante a apuração, a TV Globo também questionou a Secretaria de Educação sobre a necessidade de enviar essas crianças para um colégio a 30 km de distância. A pasta não quis conceder entrevista, mas informou, em nota, que existe previsão para construir escolas no Paranoá Parque e no Itapoã, mas “não há disponibilidade financeira imediata para essas obras”.
Os terrenos já foram separados, e uma dessas escolas já tem até projeto pronto. Agora, a secretaria diz aguardar “dotação financeira”, ou seja, dinheiro para colocar a obra em pé. A pasta diz que, ao todo, 730 crianças usam o transporte escolar público para sair do Paranoá Parque e chegar a escolas em outras regiões.
“A Secretaria acrescenta que 84 crianças que estão cursando o 5º ano no Cruzeiro, irão cursar o 6º ano nos Centros de Ensino Fundamental 03 e 05 do Paranoá, em 2018”, diz a nota.