Um novo estudo mostra que a infecção pelo vírus Sars-CoV-2, que causa a Covid-19, está associada a um aumento do risco de incidência de doenças autoimunes inflamatórias reumáticas. Os resultados apontam para a necessidade de promover maior acompanhamento dos pacientes da Covid pelos sistemas de saúde, especialmente aqueles que tiveram quadros mais graves, e demonstram a capacidade das vacinas de proteger nosso sistema imune.
Eloisa Bonfá, diretora da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), chama a atenção para a importância da vacinação de imunossuprimidos e sua inclusão nos grupos prioritários. Pacientes de doenças autoimunes reumáticas devem completar o esquema vacinal para garantir a maior proteção à saúde contra a Covid.
O estudo contou com a participação de mais de 22 milhões de japoneses e sul-coreanos com idade superior a 20 anos, entre 2020 e 2021. Além da Covid, pacientes saudáveis ou com gripe comum também foram incluídos para fins de comparação. Com 1, 6 e 12 meses de acompanhamento, os voluntários foram submetidos a exames para a detecção de doenças reumáticas.
Além da associação entre as duas doenças, os resultados do estudo também mostram uma relação entre a severidade dos quadros clínicos. Casos de Covid mais agudos estão associados com um risco maior da incidência de reumatismo.
As causas das doenças reumáticas ainda são desconhecidas. Segundo Lícia Mota, professora e especialista da UnB, os especialistas suspeitam que o vírus pode provocar uma desregulação do sistema imune. Nesse cenário, o organismo de quem tem predisposição genética pode se comportar de forma anormal ao entrar em contato com o gatilho. Assim, ele passa a atacar o invasor e, erroneamente, a si próprio, levando a complicações e reumatismo.
Por outro lado, a vacinação trouxe resultados positivos, mesmo para pacientes que já haviam sido infectados com a doença, com exceção para os casos mais graves. “A vacina continua sendo extremamente importante e indicada, não só para proteger da Covid, mas dos possíveis desdobramentos e complicações da infecção”, afirma Mota.
Segundo os autores da pesquisa publicada na Annals of Internal Medicine, os resultados apontam para a necessidade de melhorar a atenção médica oferecida para os pacientes de Covid, mesmo aqueles que já estão livres da infecção.
O trabalho, entretanto, apresenta limitações. Em primeiro lugar, os resultados estão associados sobretudo à variante ômicron da Covid, a de maior ocorrência no período no qual a pesquisa foi conduzida, e outras cepas podem ter efeitos diferentes sobre a saúde da população. Além disso, destacam os autores, houve um acompanhamento maior da saúde dos pacientes infectados pelos Sars-CoV-2 do que daqueles que atravessaram a pandemia saudáveis. Por isso, pode ter havido subnotificação dos casos de reumatismo entre a população saudável, levando a erros de comparação.
A Covid ainda assombra o Brasil. Atualmente o país é o segundo do mundo com mais mortes pela doença -só em janeiro foram quase 800 óbitos- e o número de casos supera a casa dos 120 mil. Como a prevalência e as características das doenças podem variar segundo fatores genéticos, ambientais e demográficos, a população brasileira pode responder de forma diferente à asiática em relação à doença.
A Sociedade Brasileira de Reumatologia está conduzindo um estudo multicêntrico com o objetivo de avaliar os pacientes de doenças reumatológicas imunomediadas e a Covid. Lícia Mota explica que essa é uma segunda preocupação dos médicos, ainda não totalmente esclarecida. “A primeira questão é saber se o Sars-CoV-2 pode induzir a autoimunidade. A segunda questiona se pacientes que tem doença autoimune vão piorar após o Covid.”
Chamado ReumaCoV, o consórcio conta com a participação de 35 centros de estudos e acompanhou mais de dois mil pacientes por 6 meses. Os dados preliminares, entretanto, mostram que a Covid, de maneira geral, não agrava os quadros clínicos desses pacientes.
A pesquisa revela, por outro lado, que houve um aumento das queixas dos pacientes em relação aos sintomas experimentados. Segundo os pesquisadores responsáveis pelo estudo, isso pode estar relacionado à chamada Covid longa. Outro conjunto de dados preliminares do próprio ReumaCoV mostra que a fadiga, em particular, aumentou entre esse grupo, quando comparado ao grupo controle.
Os sintomas de Covid longa não raramente se confundem com as manifestações das doenças autoimunes, afirma Mota, e esses são fatores de confusão que ainda carecem de esclarecimento.
Segundo novas evidências científicas, pacientes de reumatismo tem uma predisposição maior a apresentarem sinais de Covid longa, uma condição de saúde deixada pelo Sars-CoV-2 que ainda não foi totalmente esclarecida pelos especialistas.
Em um estudo publicado na revista científica The Lancet Rheumatology, especialistas avaliaram a prevalência de sintomas físicos e mentais em pacientes com doenças autoimunes reumáticas após a infecção por Covid através de formulários aplicados a mais de 7 mil participantes em 2022.
Enquanto 5% dos pacientes sem comorbidades apresentaram sintomas de Covid longa, o número sobe para 10% entre aqueles com reumatismo.
A vacinação, independentemente da quantidade de doses, não mostrou capacidade de reduzir essa porcentagem. Por outro lado, pessoas que tiveram necessidade de suplementação de oxigênio, cuidados intensivos ou tratamentos avançados têm ainda maior propensão a sofrer por mais de 3 meses com a doença.
Embora os pesquisadores tenham utilizado dados de 106 países do mundo, ainda existem vieses no estudo. Entre eles, é importante destacar que os resultados são baseados em informações relatadas pelos próprios pacientes, que não foram certificadas por especialistas. Segundo os pesquisadores, a inclusão de um grupo controle minimiza essa limitação, mas não a exclui totalmente.