O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, marcou para a próxima quarta-feira a retomada do julgamento de uma ação que pode reduzir o tempo de punição imposto a políticos condenados pela Lei da Ficha Limpa. O caso em questão é o último processo que a Corte analisará neste ano com potencial de impactar as eleições de outubro.
A depender da decisão, nomes como o do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB), ambos condenados no escândalo do mensalão, poderão disputar o pleito de 2022.
Os ministros vão apreciar uma ação proposta pelo PDT que questiona a partir de qual momento deve começar a contar o prazo de inelegibilidade de oito anos, prevista na legislação, para políticos classificados como ficha suja — aqueles que foram condenados por órgãos colegiados (a partir da segunda instância da Justiça). Em 2012, o plenário do STF validou a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, sem fazer ressalvas.
De acordo com o PDT, porém, a redação da lei cria uma espécie de inelegibilidade por prazo indeterminado. Isso porque o réu se torna inelegível com a condenação por órgão colegiado, período que vai até o trânsito em julgado (ou seja, o fim do processo); depois segue sem direitos políticos enquanto cumpre a pena, tal como definido na Constituição; e, por fim, segue inelegível por oito anos depois do cumprimento da pena.
Decisão liminar
O julgamento já teve início. Em dezembro de 2020, o ministro Nunes Marques suspendeu um trecho da lei e deu uma decisão liminar estabelecendo que a punição não pode ultrapassar oito anos, desde a condenação por órgão colegiado. A medida, porém, se aplicava apenas a candidaturas para as eleições de 2020 ainda pendentes de análise pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo.
Quando a questão começou a ser analisada no plenário, em agosto de 2021, o ministro Luís Roberto Barroso discordou em parte do que foi proposto por Nunes Marques. Para ele, do prazo de oito anos após o cumprimento da pena deve ser deduzido o período transcorrido entre a condenação por órgão colegiado e o trânsito em julgado. Na avaliação de Barroso, é preciso afastar “possíveis excessos”, mas garantir “a incidência da Lei da Ficha Limpa, que prevê a inelegibilidade como sanção autônoma e distinta da condenação criminal”.
O julgamento desta quarta-feira será retomado com o voto do ministro Alexandre de Moraes, que em setembro do ano passado pediu mais tempo para analisar a questão. De acordo com interlocutores do STF ouvidos pelo GLOBO , há a possibilidade de a Corte manter o entendimento de Nunes Marques, tendo em vista a percepção de que o trecho da Lei da Ficha Limpa questionado impõe uma dupla punição aos condenados, e que poderia haver uma falta de isonomia.
A mudança beneficiaria toda a classe política, porque políticos que já foram condenados ganharão um prazo menor de inelegibilidade. O GLOBO identificou especificamente os casos de Roberto Jefferson e Valdemar Costa Neto, dois personagens do mensalão e, atualmente, aliados do presidente Jair Bolsonaro.
O julgamento do mensalão chegou ao fim, efetivamente, em março de 2014. Caso este seja o marco temporal para contagem de prazo estabelecido pela Lei da Ficha Limpa, eles completariam os oito anos de inelegibilidade neste mês de março. Se, por outro lado, ficasse mantida a regra anterior, eles só poderiam voltar a concorrer à eleição em 2024, porque só tiveram perdão de suas penas em 2016.
Presidente do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), o procurador de Justiça de São Paulo Roberto Livianu afirma que uma eventual adoção pelo STF do posicionamento defendido por Nunes Marques, em sua decisão liminar de 2020, transformará a Lei da Ficha Limpa em “letra morta”, ou seja, sem eficácia.
— É importante lembrar que a Lei da Ficha Limpa, fruto de um movimento da sociedade civil, foi totalmente validada pelo STF em 2012. Não é possível que o STF volte atrás no seu próprio entendimento, dez anos depois — argumentou Livianu.
O advogado e ex-juiz Márlon Reis, um dos idealizadores da lei e representante do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), critica a possibilidade de flexibilização da inelegibilidade justamente nas situações em que classifica como “mais graves” previstas na legislação.
— O STF vai manter seu próprio entendimento porque já se debruçou sobre esse assunto, sem qualquer reparo sobre esse dispositivo — acredita o especialista.