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Expulsa de aldeia no Acre, indígena trans cria perfil em rede social para superar preconceito: ‘Sou Kupi Poderosa’


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Kupi sonha em ficar famosa e ser reconhecida pelo mundo — Foto: Reprodução

“Sou Kupi Poderosa, quero vencer, tenho orgulho de quem sou”. É assim que a indígena de 19 anos, da etnia Kaxinauá, hoje reconhecida como Huni Kui, se apresenta. Kupi diz que nunca se sentiu ‘ele’ desde criança e, por isso, sempre sofreu preconceito na aldeia, não restando outra escolha a não ser abandonar a família e a tribo em que vivia.

Com um português arrastado que ainda se confunde com o dialeto Katuanã, língua tradicional de sua tribo, a digital influencer Kupi Poderosa, como gosta de ser chamada, conta que nasceu na Aldeia Nova Extrema, no município de Jordão, cidade isolada do Acre, de pouco mais de 8,4 mil habitantes.

Emocionada, Kupi Inubake – nome tradicional na tribo que significa onça que atravessa o outro lado do rio – lembra de como foi sofrido o dia em que teve que deixar a família e sair sem rumo pela mata.

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“Desde criança eu já brincava com boneca, só que ninguém sabia que eu era gay e eu escondia. Fui expulsa da aldeia, não deu certo mais morar lá. Eu tinha 14 anos quando tive que fugir”, relata.

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“Tenho família, mãe, pai, irmãos, só que nunca fui aceita e não andava junto com eles porque eles não me aceitavam também. Lá na aldeia não tinha como eu ficar, porque eles disseram que iam matar minha família, eu sai de lá por causa disso.”

A vida fora da aldeia continua difícil, mas a influenciadora digital, que estudou até o 1º ano do ensino médio, tenta levar o dia a dia com bom humor e simpatia. O preconceito ainda persiste na cidade, pelo fato de ser indígena, trans e gay.

“Quando saí da aldeia fiquei um dia na mata e depois peguei carona de canoa até a cidade de Jordão, lá jogaram água na minha cara, eu dormia na rua, não tinha como viver. Depois fiquei vivendo em uma fazenda, vendia paú [material em decomposição misturado com terra], sofri bastante. Depois encontrei uma amiga que me ajudou e me escondeu na casa dela”, fala.

De Jordão para o mundo

O sonho de brilhar e ganhar o mundo ainda não chegou, mas, Kupi fez uma conta no Instagram que tem pouco mais de 7 mil seguidores e bomba com seus vídeos divertidos. Ela fala que todo o sofrimento que vive serve para que reúna forças e mostre ao mundo que todos podem ser livres para fazerem suas escolhas e serem felizes.

“Quero mostrar para o mundo que a gente pode ser feliz do jeito que é”, afima Kupi

“Depois que saí do Jordão fui morar em Tarauacá, mas, aqui eu moro tipo de casa em casa, alguns amigos me ajudam, eu fico em todo canto e não tenho renda, dependo da ajuda dos outros e do que ganho com as propagandas que faço. Mas, a verdade é que desde os 14 anos eu não tenho casa”, desabafa.

Kupi revela outro sonho que tem, além de conseguir uma renda e um local fixo para morar. “Colocar silicone, com certeza, é isso que eu quero e eu vou conseguir. Além de ficar famosa. Quero conhecer muitas pessoas que eu não conheço, quero que elas me ajudem a compartilhar meus vídeos.”

Sobre o dinheiro que ganha com as propagandas, Kupi diz que ainda não é suficiente para se sustentar, mas que adora a profissão que escolheu e também se diverte muito.

“Faço propaganda para algumas lojas, não ganho muito, não tenho dinheiro suficiente para me manter, às vezes ganho R$100, R$50 ou até um prato de comida, mas não tenho como comprar ainda meu alimento para viver, mas sou feliz. Tenho uma amiga e ela me ajuda como filha. Conheci ela através de um amigo dela que me levou para fazer uma propaganda para a loja dela. Essa minha amiga não me deixa com fome, me leva para a casa dela e me ajuda”, agradece.

Reencontro com os pais

Kupi fala que não guarda mágoas pelo que aconteceu com ela na aldeia em que morava, embora pense em como foi tratada pelos irmãos de sangue, mas diz que sempre que é possível encontra os pais e que o relacionamento com eles hoje é bom.

“Já fiquei muito tempo sem vê-los, tem pouco mais de um mês que eles vieram aqui me ver. Já fui perto da aldeia, mas não entro lá. Meu pai diz que fica com saudade de mim e eu acredito,” afirma.

Cultura X aceitação

O sociólogo e doutor em linguagens Joaquim Paulo de Lima Kaxinauá, de 58 anos, que também é um dos líderes do povo huni kui, reconhece o tabu que ainda existe dentro da cultura indígena e diz que o tema é “delicado”, principalmente para os mais velhos.

“Com relação à cultura do povo, nunca tivemos essas iniciativas de mulheres namorando com mulheres e nem de homens namorando com outros homens. Na verdade, nós aprendemos desde pequenos que homem casa com mulher e mulher com homem, a criação é assim. Antigamente tinha uma condução relacionada à cultura em que jovens de até 14 anos já tinham que se casar para formar família,” diz a liderança indígena.

Doutor Joaquim Maná, como é mais conhecido, é também secretário da Federação do Povo Huni kui do Acre (Fephac). Ele diz que quando acontece ao contrário do que é esperado pela cultura, há uma decepção para a família, já que os pais prometem cumprir com os deveres que fazem parte da cultura assim que os filhos nascem.

“Hoje, nesse mundo, não há mais essa exigência de a mulher casar logo, fica por conta dela, ela namora com quem quiser, casa com quem quiser, mas não é apropriado de acordo com a cultura, mas é aceito. Os homens também acabam não casando logo, a cultura de outros povos acaba indo para dentro das aldeias”, complementa.

Maná explica ainda que, ao longo da vida, com os indígenas saindo das aldeias para estudar, trabalhar e conhecendo outras culturas, os pensamentos e aceitações foram mudando. Ele fala que atualmente nas aldeias já há homossexuais, mas eles não assumem a orientação sexual.

“Para os mais velhos, ainda é um tema muito chocante. Fica subentendido, mas os índios não mostram que são, até por causa da cultura. Mas, agora, nos dias de hoje, não é que não pode, é uma decisão de cada um. Não temos uma regra para impedir, só que ainda têm algumas pessoas que são contra e acabam não entendendo”, finaliza.

 

Por Janine Brasil, G1 AC — Rio Branco

 

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