A rotina de sepultamento no Amazonas passou de 30 para mais de 120 por dia. Estado apresenta o maior índice de infecção proporcional pela Covid-19. Outras unidades da Federação estão perto da capacidade máxima de atendimentos a pacientes com a doença
Enterros em uma única cova em cemitério na zona norte de Manaus, uma medida já adotada em outros países
(foto: AFP / MICHAEL DANTAS)
Os casos da Covid-19 no Brasil continuam em acentuada ascensão e o sistema de saúde já esbarra na capacidade. Faltam equipamentos básicos, respiradores e profissionais. O quadro mais crítico é o do Amazonas, onde pessoas infectadas têm morrido sem nem conseguir atendimento. A situação por lá é de corpos sendo acumulados nos corredores dos hospitais.
Segundo o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB), o número de pessoas que morreram sem conseguir internação para tratar a doença cresceu 36,5% em apenas um dia. “Está se caracterizando um certo colapso das possibilidades de atender”, afirmou nas redes sociais, atualizando que a quantidade de sepultamentos mais que triplicou em meio à pandemia: em períodos sazonais de gripe, o principal cemitério da cidade tem demanda diária entre 20 e 35 enterros. “Um dia, bateu em 66, depois 88, ontem (segunda-feira), 121. Hoje (ontem), foram 106.” Com o aumento, o sistema funerário está sobrecarregado e, para lidar com a situação, foi criado um comitê de crise para óbitos. No cemitério Parque Tarumã, na zona norte de Manaus, enterros já ocorrem em valas coletivas.
Unidade de referência para atendimento a infectados pelo coronavírus em Manaus, o Hospital Delphina Aziz tem apenas 179 dos 350 leitos funcionando, sendo 75 UTIs. Para ampliar a oferta na unidade, é necessário investir em recursos humanos e estrutura, como parte elétrica, informática e serviços. Na tentativa de suprir a demanda, o Hospital Nilton Lins iniciou atividades com 16 leitos de UTI e 66 de enfermaria. Ontem, foi anunciado, também, que o governo vai utilizar 18 leitos de UTI e 45 leitos clínicos disponibilizados ao estado pelo Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV). Em todo o Amazonas, o índice de ocupação varia de 95% a 97%.Continua depois da
“Nosso estado não é mais de emergência, é de calamidade mesmo. É o caso mais preocupante deste país no que se relaciona ao novo coronavírus”, frisou Arthur Neto. Ele apelou ao vice-presidente Hamilton Mourão, com quem se reuniu no início da semana. “Disse tudo o que eu tinha a dizer de desabafo, de críticas, análises de personagens do governo sobre esse abandono do Amazonas, que tem se agravado a cada minuto”, informou o prefeito ao sair da reunião. “Vim dizer minhas verdades. Não podemos mais esperar planejamentos para daqui a 15 dias e ficarmos vendo as pessoas morrerem”, completou.
Amazonas é o estado com maior número de mortos e infectados por 1 milhão de habitantes. O coeficiente chegou a 521, enquanto a média gira em torno de 180. Em relação aos óbitos, o índice é de 45, nove vezes superior à média nacional. Manaus também lidera o ranking entre as capitais, com coeficiente de mortalidade em 72.
No Pará, 97% dos leitos de UTI estão ocupados, e, na capital, não há mais vagas. Em Belém, o colapso do sistema não exclui a rede particular, como disse o prefeito Zenaldo Coutinho (PSDB), em coletiva. As quatro UPAs da capital estão funcionando no limite de capacidade. Procurando solução, o governo de estado intensificou o ritmo de trabalho nas obras do Hospital Regional de Castanhal. A expectativa é a de concluir, esta semana, mais um andar do prédio e, com isso, instalar 60 novos leitos.
O estado aguarda a chegada de 400 respiradores para transformar leitos de enfermaria em unidades intensivas. Os equipamentos e mais 1,6 mil bombas de infusão foram comprados da China e devem ser enviados ao Brasil no sábado.
O cenário atual do Amazonas e do Pará serve como alerta a outros estados, que já estão próximos ou chegaram à capacidade máxima no Sistema Único de Saúde (SUS). Casos de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Ceará, as outras quatro unidades que lideram o ranking de infecções no Brasil. Em todos, o número de pessoas que perderam a vida para a doença passa de 200.
Sem conseguir atender mais pacientes para internações, a prefeitura de Fortaleza decidiu abrir o hospital de campanha do Estádio Presidente Vargas antes mesmo de a unidade ficar pronta. “A maioria da nossa população não tem planos de saúde e depende do SUS”, justificou o prefeito Roberto Cláudio (PDT). Com a antecipação, mais 10 leitos de UTI e 204 enfermarias estão disponíveis para tratar acometidos pela Covid-19. As vagas serão destinadas pessoas transferidas de outras unidades de referência. A intenção é desocupar as UTIs e tentar diminuir a fila de pacientes que estão mais graves.
Em Pernambuco, 99% dos leitos de UTI estão ocupados. Em algumas unidades, vítimas mais graves da doença precisam ficar em uma lista de espera. Outras estão sendo transferidas para o Hospital Mestre Vitalino, em Caruaru, no Agreste pernambucano. Com a abertura de unidades e ampliação de vagas, a central de regulação de leitos do estado registrou, nos últimos 30 dias, um aumento de 316% nas solicitações de internamento.
“Saímos de 146 pedidos para 361 requerimentos, e a projeção é de que, apenas esta semana, a demanda seja ainda mais intensa, com mais de 460 solicitações”, afirmou, ontem, o secretário estadual de Saúde, André Longo. Ele atribuiu o aumento de casos à baixa adesão das medidas de isolamento por parte da população. “Está girando em torno de 50%, quando o ideal é que nós estivéssemos convivendo com um índice próximo aos 70% ou maior.”Continua depois da publicidade
Contratações
Com todo esse volume de trabalho foi necessário ampliar o espaço físico para atuação das equipes e aumentar a capacidade de atendimento, “com a contratação de 141 profissionais, sendo 64 enfermeiros, 63 médicos e 14 teleatendentes para realizar o cadastramento de informações básicas. Tudo isso com o intuito de acelerar a assistência aos doentes e dar uma resposta rápida à situação”, afirmou André Longo. Os novos médicos e enfermeiros (127), que realizam o processo regulatório na central, foram contratados por meio de seleção pública simplificada e vai atuar a partir desta semana.
Com sazonalidade para a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) no Norte e Nordeste, as atenções se voltam às regiões. Em videoconferência com o ministro da Saúde, Nelson Teich, os governadores do Nordeste pediram mais leitos de UTI, distribuição de recursos, testes, recursos humanos e orientações de isolamento social. Os gestores vão formalizar as demandas, e uma nova reunião está marcada para amanhã.