A primeira pergunta que surge sobre o afastamento do trabalho de quem tem vínculo com o serviço público é: qual o motivo disso? Explico.
A ideia é evitar que a proximidade funcional do futuro candidato com a Administração Pública venha a influenciar nas eleições, o que poderia causar desequilíbrio na disputa, ferindo o princípio da igualdade, uma vez que outros candidatos que não têm qualquer vínculo com poder público ficariam em desvantagem.
A LC n. 64/90 (Lei das Inelegibilidades) diz que o servidor público efetivo deve afastar-se do cargo 3, 4 ou 6 meses antes das eleições, a depender do cargo, emprego ou função que ocupa e do cargo eletivo pretendido.
Já a Lei n. 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União) afirma que o afastamento do servidor efetivo deve ocorrer a partir do registro da candidatura. Na mesma linha é a regra nos estatutos dos servidores dos Estados e Municípios do Brasil.
Com a edição da Lei n. 13.165/15, que alterou o art. 11 da Lei n. 9.504/97, especialmente em relação à data limite para registro da candidatura (agora é 15/agosto do ano pleito), pouco mais de 1 mês antes das eleições, os prazos das LC n. 64/90 e Lei n. 8.112/90 passaram não coincidir, sobretudo para o servidor sujeito a regra de afastamento 3 meses antes das eleições.
A razão dessa discussão ocorreu porque, no passado, o registro da candidatura ocorria até o dia 5/julho e os 3 meses antes das eleições orbitavam próximo dessa data, a depender do dia da eleição em primeiro turno (primeiro domingo de outubro). Porém, agora, o prazo para registro da candidatura passou a ser 15/agosto.
Surgiu um aparente conflito de normas, pois veio a indagação: o servidor deve ser afastado 3 meses antes ou somente com o efetivo registro da candidatura?
Visando firmar a posição mais correta, em setembro/2016 o TSE respondeu a uma consulta (n. 68-82-2016.6.000000/DF) aplicando a regra da LC n. 64/90:
CONSULTA. SERVIDOR PÚBLICO. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. PRAZO. LEI DE INELEGIBILIDADES. MINIRREFORMA ELEITORAL. ALTERAÇÃO. INAPLICABILIDADE.
1.A reforma eleitoral promovida pela Lei no 13.165/2015 não alterou os prazos de desincompatibilização para disputa de cargos eletivos constantes da LC no 64/90.
2.Consultas nos 68-821DF, 100-87/DF, 103-42/DE, 211 -71/DF, 212-56/DE e 227-25/DE respondidas nesses termos.
(TSE – Consulta n. 68-82, Acórdão, Relator (a) Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 171, Data 05/09/2016)
Como se não bastasse, recentemente, no mês de fevereiro/2020, o TSE reafirmou idêntica posição:
CONSULTA. SERVIDOR PÚBLICO. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO PARA FINS DE REGISTRO DE CANDIDATURA. PRAZOS. LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. REGRAMENTO APLICÁVEL. CONVENÇÕES PARTIDÁRIAS. PERÍODO. LEI Nº 13.165/2015. AFASTAMENTO. TERMO A QUO. NÃO MODIFICAÇÃO. MATÉRIA ENFRENTADA EM CONSULTAS PRETÉRITAS. QUESTIONAMENTO. RENOVAÇÃO. DESCABIMENTO. REMUNERAÇÃO INTEGRAL. PERCEPÇÃO. DATA DE INÍCIO. ART. 86, § 2º, DA LEI Nº 8.112/90 (ESTATUTO DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL DA UNIÃO). ART. 1º, II, L, DA LC Nº 64/90. POSTERIOR DESISTÊNCIA E/OU NÃO EFETIVAÇÃO DO REGISTRO. ERÁRIO. RESTITUIÇÃO. NECESSIDADE. EQUACIONAMENTO. JUSTIÇA COMUM. NÃO CONHECIMENTO.
1. De início, por exercer o cargo de senador da República, é de se reconhecer a legitimidade do consulente (art. 23, XII, do CE).
I – DO PRIMEIRO QUESTIONAMENTO
2. O primeiro questionamento encontra–se formulado nos seguintes termos: “o afastamento previsto na Lei Complementar nº 64/90, art. 1º, II, l, pode ocorrer após a escolha em convenção, extrapolando o prazo estabelecido no artigo citado sem lhe causar inelegibilidade do servidor público que queira ser candidato?”.
3. Idêntica indagação foi submetida na Consulta nº 68–82/DF, relatora a Ministra Luciana Lóssio, DJe de 5.9.2016, examinada conjuntamente com as Consultas nº 100–87/DF, 103–42/DF, 211–71/DF, 212–56/DF e 227–25/DF, ocasião em que este Tribunal deliberou no sentido de que “a reforma eleitoral promovida pela Lei n. 13.165/2015 não alterou os prazos de desincompatibilização para disputa de cargos eletivos constantes da LC n. 64/90”.
4. Concluiu–se, assim, que a alteração do período de realização das convenções partidárias, promovida pela minirreforma eleitoral, não autoriza o servidor público a postergar a sua desincompatibilização em descompasso com a LC nº 64/90.
5. Essa exegese foi encampada por esta Corte nas eleições de 2016 (AgR–REspe nº 201–32/BA, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 3.11.2017) e de 2018 (AgR–RO nº 0600202–13/MA, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, PSESS de 13.11.2018).
[…]
(TSE – Consulta nº 060019041, Acórdão, Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 25, Data 05/02/2020)
Nesse contexto, deve prevalecer o texto da norma constante na LC n. 64/90, isto é, o servidor está obrigado ao afastamento nos prazos de 3, 4 ou 6 meses antes das eleições.
O raciocínio adotado pelo TSE foi de que outras hipóteses inelegibilidades diversas das já expressas na Constituição deverão vir numa Lei Complementar específica sobre o tema, conforme expressa disposição do §9º do art. 14 da Constituição Federal de 1988.
“Art. 14. […]
[…]
§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.” (grifamos)
Logo, como é a LC n. 64/90 que traz as regras de inelegibilidades, esta deve se sobrepor a qualquer outra lei ordinária que fixe regra diversa acerca de desincompatibilização.
Consoante acima mencionado, a Lei das Inelegibilidades determina que o afastamento das atividades vinculadas ao servidor público pode se dar 3, 4 ou 6 meses antes do pleito.
Para facilitar a compreensão, elaboramos um quadro-resumo com prazos de desincompatibilização das principais ocupações no serviço público para fins de candidatura aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador em 2020.
Vejamos:
Obs.: A relação completa está disponível em: http://www.tse.jus.br/eleicoes/desincompatibilizacao/desincompatibilizacao
ATENÇÃO! Agora, se a função (local de trabalho) do servidor for em município diverso do que ele pretende ser candidato, não é caso de afastamento, pois “as regras de desincompatibilização objetivam evitar a reprovável utilização ou influência de cargo ou função no âmbito da circunscrição eleitoral em detrimento do equilíbrio do pleito, o que não se evidencia na hipótese, em que a candidata trabalha em localidade diversa à da disputa […]”, conforme já decidiu o TSE (Ac. de 16.5.2013 no REspe nº 12418, rel. Min. Laurita Vaz no mesmo sentido (Ac de 27.9.2012 no AgR-REspe nº 18977, Rel. Min. Arnaldo Versiani.)
Ademais, se o servidor for ocupante de cargo/emprego público efetivo, haverá regular pagamento da remuneração durante o período do afastamento. Nesse caso, deve o servidor apresentar, posteriormente, o comprovante do efetivo registro de candidatura para convalidar o afastamento.
Por fim, citamos o exemplo de um servidor de carreira do poder executivo (agente administrativo, merendeira, professor) que acumula seu cargo efetivo com um cargo em comissão/função comissionada de comando (chefia). Deverá ser exonerado/dispensado do cargo/função de comando e afastado do cargo efetivo, com recebimento normal da remuneração do cargo efetivo.
* Edirlei Souza – Portovelhense, Graduado em Direito, Pós-Graduado em Direito Eleitoral e Processo Eleitoral e Pós-Graduado em Comunicação Pública, Professor e Servidor Público Federal.