No ano passado, o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública do Estado de Rondônia ingressaram com uma ação civil pública para suspender imediatamente a emissão de novos Certificados de Registro de Armas de Fogo (Craf) em Vilhena (RO). MPF e Defensoria argumentaram, à época, que novos registros de armas de fogo só deveriam ser emitidos depois que a Polícia Federal analisasse previamente a real necessidade do solicitante, de forma específica, pessoal e individualizada. Porém, após um ano do pedido de liminar, não houve deliberação por parte da Justiça Federal.
Dados da Delegacia da Polícia Federal em Vilhena apontaram que no primeiro trimestre de 2019 teve aumento de 35% no número de armas registradas em comparação com o mesmo período de 2018. Comparando os primeiros trimestres dos últimos cinco anos, 2019 teve o maior índice de armas registradas desde 2014. De 1º de janeiro a 31 de março do ano passado, foram registradas 220 armas em Vilhena. O aumento expressivo no registro de armas na cidade tem relação com o Decreto 9.685, que entrou em vigor em janeiro de 2019.
MPF e Defensoria Pública apontam que esse decreto criou “um sistema de presunção de efetiva necessidade (de armas de fogo) por particulares” ao tomar como base o aspecto geográfico (área rural ou área urbana de estados com mais de dez homicídios por 100 mil habitantes) ou o aspecto profissional (donos ou responsáveis por comércios e indústrias). “Ao dizer que podem ter registro de armas de fogo, pessoas que morem em áreas urbanas de estados onde os índices anuais de homicídio sejam de mais de dez assassinatos por 100 mil habitantes, o decreto não estabeleceu nenhum filtro ou critério específico porque todos os estados brasileiros possuem os índices apontados como parâmetro”, afirmam os autores da ação.
Ao determinar a instauração do procedimento que deu origem à ação civil pública, o procurador da República Lucas Costa Almeida Dias considerou que a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (do MPF, em Brasília) apontou a inconstitucionalidade do Decreto 9.685/2019 e semelhantes ações civis públicas foram ajuizadas pelo MPF nos estados do Rio de Janeiro e de Goiás. O órgão argumenta que o decreto contraria o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), que prevê a análise prévia, individualizada, pessoal e específica. MPF e Defensoria Pública expõem que dispensar o interessado de demonstrar a necessidade efetiva do registro de arma pode aumentar o número de ocorrências por motivos banais.
Suspensão – Na ação, MPF e Defensoria pediram à Justiça Federal que considerasse a ilegalidade dos incisos do decreto que estabelecem aspectos geográficos ou profissionais para se ter arma de fogo registrada. Em caráter de urgência, os órgãos pediram à Justiça Federal que determinasse a suspensão dos processos de análise e de concessão de novos registros em Vilhena (RO), mas até o momento, nada foi deliberado.
Dados – A ação destacou ainda que o Decreto 9.685/2019 não atende ao objetivo alegado de oferecer maior segurança à população. O número de homicídios por arma de fogo passou de 6.104, em 1980, para 42.291, em 2014, o que demonstra que armas de fogo continuam sendo usadas em grande quantidade, causando maior violência e insegurança, e não o contrário. Além disso, 94,4% das vítimas de homicídio por arma de fogo são do sexo masculino e 71,5% das pessoas assassinadas a cada ano no país são pretas ou pardas. A maioria é jovem, entre 15 e 29 anos. Os dados são do Atlas da Violência.
Para MPF e Defensoria Pública, as mudanças do novo decreto acarretam uma discriminação indireta sobre a população negra e jovem, gerando um impacto desproporcional nesse grupo. Apesar das novas regras serem aparentemente neutras, seus efeitos são adversos a essa determinada parcela da população, mais exposta à violência e ao aumento dos homicídios.