Eram apenas quatro vagas para bolsas de estudos na escola Sesc do Ensino Médio (Esem), no Rio de Janeiro, disputadas por alunos de escolas públicas e particulares de todo o estado de Rondônia; três delas foram conquistadas por alunos da Escola Estadual Marcelo Cândia, subsede I, da rede de educação Santa Marcelina, localizada na zona Leste de Porto Velho, e a outra vaga foi para o Colégio União, da rede particular de ensino do município de Ji-Paraná.
Entrar para a Esem, considerada uma instituição referência em qualidade de educação, parecia um sonho distante, mas que agora é uma realidade para Samara Silva, Tiago Karitiana e Bruno Henrique Monteiro, estudantes do 9° ano do Ensino Fundamental. Eles terão que mudar de escola, mudar de Estado, ficar longe da família, mas sabem que têm nas mãos a chance de mudar o próprio futuro e, principalmente, de provar que educação pode, sim, transformar vidas.
E é isso o que tem acontecido. Seria apenas mais uma escola pública de periferia, mas o que acontece nas salas de aulas da Marcelo Cândia tem transformado a história de vida de dezenas de jovens. O orientador educacional Francisco Lima é considerado pelos alunos um dos grandes incentivadores, e está sempre atualizando os jovens sobre as oportunidades.
ALÉM DA MÉDIA
Essa não é a primeira vez que alunos da Marcelo Cândia representam Rondônia em competições nacionais que testam o aprendizado. A escola já tem um histórico de estudantes que estão muito além da média nacional. O processo seletivo no qual os três estudantes foram classificados é um dos mais aguardados pelos estudantes. ‘‘Já no 8º ano eles começam a preparar os estudos para esta prova da escola Sesc do Ensino Médio. Todos os anos conseguimos encaminhar algum aluno para a instituição’’, comemora a vice-diretora, Rozângela Coutinho.
Entre os classificados, um indígena da tribo Karitiana, Tiago, de apenas 15 anos. ‘‘Foram dias sem dormir direito’’, confessou o estudante que estava ansioso para saber o que lhe reservava o futuro, quando finalmente o resultado foi divulgado veio a alegria, não só da conquista pessoal, mas para todo o povo indígena. Tiago estuda e mora na cidade, mas não perde o contato com parentes indígenas e nas férias sempre procura estat na aldeia.
Tiago sonha alto e sabe que para uma pessoa determinada os sonhos não têm limites. ‘‘Meu sonho quando terminar o Ensino Médio é entrar para a faculdade de Harvard, nos Estados Unidos. Então ir para o Esem vai me proporcionar além do conhecimento, o idioma que é bastante necessário, e como eu sou aluno de baixa renda eu não teria acesso ao curso de inglês para entrar para a faculdade’’, contou.
Tiago ainda está em dúvida se fará química ou biologia, mas pretende se especializar em engenharia genética. ‘‘Quero trabalhar na criação de vacinas para cura de doenças. Quero ser cientista’’, afirmou.
FOCO
‘‘Eu não sou aquele aluno que podem considerar um gênio, por isso acredito que qualquer pessoa que tenha foco, tenha fé e, principalmente, força de vontade, pode, sim, se dedicar e conseguir uma vaga, como a que eu consegui. Se todo dia você dedicar pelo menos uma hora para estudar, você com certeza vai conseguir’’, considera Tiago.
Tiago conta com o apoio dos pais para essa nova jornada. ‘‘Meu pai estava bastante confiante. Desde o início meu pai já me encorajava a ir para lá por entender que seria o melhor para mim. Já minha mãe estava mais com uma dor no peito em pensar que iria ficar três anos fora de casa, mas aceitou bem. Foi muito empolgante quando soube que havia sido aprovado, nunca vou esquecer’’, destacou Tiago.
Ele estuda na Escola Marcelo Cândia desde o 2° ano do Ensino Fundamental. ‘‘Se eu não tivesse nesta escola eu não teria obtido os conhecimentos básicos que são necessários para fazer a prova do Esem. Eu sempre tive muito apoio dos professores que sempre acreditaram em mim, como o Francisco, Ailton e a Glória ’’, reconhece o estudante, que está dando um passo importante e sabe o significado que sua conquista tem para os indígenas.
‘‘A sociedade nos discrimina um pouco, falam que a gente só consegue as coisas porque há cota para índio, mas tenho certeza que passei pelo meu próprio esforço. Eu tenho certeza que minha etnia estará muito orgulhosa porque estarei levando o nome dos Karitiana para todo o Brasil’’, disse Tiago.
OPORTUNIDADE
Assim como Tiago, Samara Silva, 14 anos, também é prova de como apostar nos estudos dá resultado. Para se preparar para o processo seletivo, todos os dias ela estudava conforme o conteúdo do edital, confiante de que encontraria nesse esforço pessoal a chave para uma nova realidade de vida onde os sonhos são possíveis. ‘‘Eu passava cerca de três horas estudando, além de cumprir as tarefas da escola’’, conta a estudante.
Samara já estudou em várias escolas da rede pública. Começou a estudar no Marcelo Cândia em 2015. ‘‘Esta escola é bem diferente porque além do apoio que a gente recebe dos funcionários, temos também o apoio dos colegas que incentivam bastante’’, disse Samara que agora inspira outros alunos. Para ela, o processo seletivo seria apenas para testar o conhecimento, e ficou surpresa com a classificação.
‘‘Eu vou aproveitar esta oportunidade. Meus pais me apoiam. Tive o incentivo do professor Francisco que conversou com a minha mãe e explicou a ela o que significa para mim estar lá. Estou muito ansiosa e todos estamos muito felizes. Acredito que lá aumentarei muito meu conhecimento e assim conseguirei passar em uma boa faculdade para fazer direito’’, destacou.
PREPARAÇÃO
Bruno Monteiro, 15 anos, é colega de classe de Samara, e agora divide com a amiga a alegria da aprovação no tão concorrido processo seletivo. ‘‘A escola Sesc não é uma escola que qualquer um pode entrar. Eu precisei me preparar bem, primeiro psicologicamente, porque precisarei sair de Porto Velho e ir morar no Rio de Janeiro, uma realidade completamente diferente; e também mentalmente, intensificando os meus conhecimentos’’, disse o estudante, que tem uma rotina de duas horas de estudo por dia.
‘‘Tento aprender coisas novas diariamente e sempre participar de avaliações que testem o meu conhecimento’’, afirmou Bruno. Mesmo com tanto empenho, a classificação no processo seletivo surpreendeu o estudante. ‘‘Eu estava concorrendo com pessoas muito inteligentes, inclusive com o Tiago [Karitiana], então quando soube que nós três havíamos passado foi uma alegria maior ainda. Nós não vamos ficar sozinhos lá, teremos uns aos outros’’, disse.
Bruno também conta com o apoio da família nesta nova etapa. ‘‘A minha mãe entendeu bem que lá no Rio de Janeiro terei mais oportunidades do que tenho aqui, e meu pai também. Indo para uma escola de excelência eu poderei cursar qualquer faculdade do Brasil ou até de fora do País. Estou muito feliz’’. O estudante demostra gratidão por toda a experiência adquirida na Marcelo Cândia.
‘‘Aqui nós temos regras que ajudam a formar nosso caráter. Eu tenho certeza que se estudasse em outra escola eu não seria a pessoa que eu sou hoje e com os objetivos que tenho. Os professores nos incentivam muito a estudar e aproveitar as oportunidades que surgem’’, afirmou Bruno.
FUTURO
A nova jornada para estes estudantes começará em março de 2017. Eles farão o Ensino Médio em tempo integral com direito a moradia, material didático-pedagógico, uniformes, alimentação, assistência médica e odontológica e atividades extraclasses propostas pela escola.
Quando se fala em saudade, eles são unânimes, é a família que vai fazer mais falta, mas também é nela que eles encontram motivação para prosseguir o caminho.
‘‘O que vai me dar força para continuar é dar orgulho para minha família, estarei representando o meu estado e a minha família lá no Rio de Janeiro’’, afirmou Bruno.
‘‘O meu incentivo para continuar lá é que poderei ajudar minha mãe futuramente, e como ela não terá mais despesa com meus estudos, poderá investir mais nos estudos dela e estou feliz em poder dar orgulho para minha família’’, ponderou Samara.
‘‘O que vai me motivar é levar o nome da minha família e a minha cultura para o Brasil inteiro e, principalmente, o foco nos meus sonhos, que é chegar à universidade de Harvard e conseguir um bom emprego para dar conforto aos meus pais. Eu sempre penso muito no futuro, e é por este futuro que vou continuar lutando, e é disso que vou tirar forças’’, destacou Tiago.
Texto: Vanessa Moura
Fotos: Admilson Knigthz