A situação política brasileira está mais complicada que cachorro solto em fábrica de salsichas. Em nome do “ajuste fiscal”, Dilma implantou severo arrocho sobre os mais pobres e preservou as benesses das elites. Nem um dedinho para cortar pensões de filhas de militares, taxar heranças e adotar o imposto progressivo – quem ganha mais paga mais.
É como as torneiras das mansões dos Jardins, bairros nobres da capital paulista. Eram abastecidas de água pelo sistema Cantareira. Na hora em que este atingiu o volume morto, o governo de São Paulo fez com que os Jardins passassem a ser regados pela represa de Guarapiranga. Enquanto isso, as torneiras dos pobres andam rachando de tão ressecadas…
Dilma prometeu, na campanha, não mexer nos direitos dos pobres “nem que vaca tussa”. A vaca anda afônica de tanto tossir…
Acrescem-se a isso a crise hídrica, que resulta na energética (por mera falta de planejamento), e a ofensiva da banda podre do PMDB e o recuo do PT.
A banda pôs em movimento o rolo compressor, ocupou as presidências do Senado e da Câmara e, agora, almeja a da República. Por isso, submete o Planalto a derrotas sucessivas no Congresso e respalda a proposta de impeachment de Dilma.
Se a manobra do impeachment não der certo, não será surpresa de, nas eleições de 2018, o PMDB aparecer com candidato próprio ao Planalto.
O certo é que, hoje, o PMDB não quer governar o Brasil com Michel Temer. Quer com Eduardo Cunha, apoiado tacitamente pela oposição.
O PT, acuado pelo petrolão e as medidas impopulares tomadas por Dilma na economia, finge de morto, enquanto o rolo compressor avança. Uma ou outra voz, como a do deputado Vicentinho, ousa vir a público e denunciar que o rei está nu. (No caso, a rainha).
Qual a saída? Assistir ao circo pegar fogo? Só há duas alternativas: reforçar o coro dos descontentes e permitir que o comando do país seja assumido pela banda podre da política brasileira ou botar o bloco na rua, no caso os movimentos sociais.
Na primeira hipótese, colocar quem no lugar de Dilma? Ganha uma viagem de primeira classe para Maracangalha quem apontar aí um líder brasileiro (não vale Lula, que já atua, não como governo, mas como presidente paralelo) capaz de conduzir o país a dias melhores.
Em junho de 2013, os movimentos sociais promoveram manifestações que obrigaram o governo a rever suas posições. Em outubro de 2014, os movimentos sociais asseguraram a vitória apertada de Dilma no segundo turno.
Agora, José, só eles podem salvar as políticas sociais, os direitos dos pobres, e provocar a reforma política e a mudança da atual – e nefasta – política econômica.
Resta saber se vão passar da inércia aos protestos e dos protestos às propostas.
Frei Betto é escritor, autor de “Oito vias para ser feliz” (Planeta), entre outros livros.