Aos 85 anos, Maura Wayuru Ibanez, a anciã mais velha do povo Wayuru, viu enfim concretizar um sonho que atravessou gerações: ter sua etnia reconhecida oficialmente no registro civil. O momento, marcado por emoção, aconteceu durante a Operação Justiça Rápida Itinerante, realizada em Rolim de Moura do Guaporé, distrito de Alta Floresta D’Oeste, a cerca de 700 quilômetros da capital Porto Velho.
Com o novo documento em mãos, Maura simboliza a reparação de uma história que remonta ao tempo do ciclo da borracha, como conta Valda Wayuru Braga, filha de Maura e cacique do território Wayuru, localizado às margens do rio Mequens. “No ciclo da borracha, as aldeias foram invadidas, e nós indígenas, como a minha avó, tivemos o nome dos seringalistas. Eles colocavam o nome deles no nome do povo indígena, como uma coisa de posse. Então, há muito tempo a gente luta, porque queremos o nosso nome originário, nosso nome ancestral”. Apesar da alegria, Valda confessa que o momento também traz um certo pesar. “É triste que a minha avó morreu em 2000, com 105 anos, e a gente não conseguiu pôr o nome, que era o sonho dela”, contou emocionada.

Na região convivem três etnias: Sakurabiat, Wayuru e Guarasugwe, que coletivamente viram a necessidade dessa ação. “A partir da troca de ideias com as outras lideranças, chegamos a um consenso de que deveríamos colocar as nossas etnias para sermos reconhecidos. Isso vai servir para o futuro dos nossos filhos e como uma marca, uma identificação dos indígenas em relação à sua origem”, afirmou Francisco Ibanez Wayuru, presidente do Conselho de Saúde Indígena de Rolim de Moura do Guaporé.

Entre as 120 pessoas atendidas durante a operação, que também realizou ações de guarda de menor, pensão alimentícia e divórcio, outra história chamou atenção: a de Jorge Gomes Monteiro Sakurabiat Wayuru, que herdou a etnia da mãe, Marina Monteiro Gomes Wayuru, e do pai, Ramiro Gomes Sakurabiat. A esposa de Jorge também teve seu nome alterado, mas não pela inclusão de etnia, e sim pela adoção do sobrenome do marido, conforme previsto na Resolução Conjunta CNJ e CNMP nº 3/2012, atualizada pela Resolução nº 12/2024.

A ação reforçou ainda a importância da preservação da língua Wayuru, um dos pilares da identidade do povo. “Nós resgatamos a língua para não deixá-la morrer, porque se deixasse ela estaria extinta. Após muita luta, conseguimos o contrato para duas professoras ensinarem a língua materna Wayuru. É um grande orgulho para nós, as crianças que estão nascendo já vão aprendendo a falar e a escrever na nossa língua”, destacou Ana Délia Wayuru Braga, professora da língua Wayuru.

De acordo com a defensora pública Lúcia Pereira Bento Moreira, a operação também corrigiu antigas distorções nos registros civis. “Além de incluir o sobrenome, também pudemos alterar letras que não respeitavam o alfabeto indígena, cuja fonética saía diferente. São povos tradicionais que vivem aqui há longa data, mas não tinham esse registro em seus documentos, o que gerava vários problemas no exercício dos seus direitos.”
O juiz Guilherme Ferreira, que acompanhou a operação, destaca que cada documento entregue representa mais do que um ato administrativo, é um gesto de reconhecimento. “Mais do que um serviço público, esse atendimento representa uma reparação histórica e o reconhecimento de um povo que aqui reside há muitos anos. A inserção do sobrenome indígena no registro civil não é apenas uma formalidade; é cidadania, dignidade e identidade. Representa a presença do Estado nessas localidades distantes, o reconhecimento da diversidade cultural e étnica e o sentimento de pertencimento do povo à sua história e às suas origens.”
Assessoria
