A cidade de Atalaia do Norte fica na margem direita do Rio Javari, em plena floresta amazônica, e as casas de apostas também se instalaram por lá, ganhando atenção de moradores da área urbana e também de comunidades indígenas locais. É possível apostar tanto em times de futebol, em esquema de bet, quanto participar de um bingo eletrônico.
“É 100% confiável. Ganhou, pagou”, disse Eduardo Costa, funcionário da casa de jogos, durante a visita da reportagem à cidade, em agosto. Ele contou que até mesmo integrantes das comunidades indígenas deixam suas aldeias para apostar. “Um exemplo é o indígena ali, ó, jogando. Eles vêm bastante. Ganham, também”, disse.
Segundo o funcionário, há outras casas de aposta na cidade. Por aquela onde trabalha, chegam a passar mais de 100 pessoas por dia. O ponto alto da semana é o bingo eletrônico às sextas, que paga prêmio de até R$ 10 mil.
Responsável pelo ambulatório de dependência de comportamentos do Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes), da Unifesp, Aderbal Vieira afirma que indígenas costumam viver em situação de vulnerabilidade em ambientes urbanos. Nesse contexto, o jogo se assemelharia ao consumo de álcool por parte desse grupo.
“Essa população que você falou fica em algum ponto dos dois extremos, com o melhor e o pior dos dois mundos”, diz.
Vieira também afirma que o jogo atinge a sociedade como um todo, em parcelas da população tão distintas quanto os indígenas do Amazonas e os executivos dos grandes centros urbanos.
“O jogo é essa coisa que está pegando, incendiando como um todo. Está explodindo. Certamente, as populações socialmente menos providas são atingidas”, afirma, citando que até mesmo uma parcela dos recursos do Bolsa Família tem sido gasta com bets.
Contextos
Atalaia do Norte tem o terceiro pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre os 5.570 municípios brasileiros. Boa parte dos empregos formais vem do setor público. É a porta de entrada do Vale do Javari e tem cerca de 8 mil indígenas entre seus habitantes, muitos deles vivendo em tribos isoladas.
A cidade ganhou o noticiário internacional em 2022, com as mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, ambos assassinados por praticantes de pesca ilegal associados ao crime na região da Tríplice Fronteira.
Pereira era um defensor dos povos da Terra Indígena do Vale do Javari e lutava contra a exploração ilegal dos recursos naturais. O duplo homicídio chamou a atenção para os conflitos no extremo oeste do Amazonas e, segundo quem conhece o local, afugentou turistas que pretendiam conhecer as belezas da região.
Sem recursos, ribeirinhos e indígenas se tornam alvo do assédio de traficantes que circulam pelo Javari e alguns acabam sendo cooptados pelo crime.
Na cidade, aquilo que parece estranho a moradores de grandes centros urbanos é encarado com naturalidade pela população local. Venda de combustível em garrafas PET, condutores sem capacete e famílias inteiras, incluindo bebês, sobre motos são cenas comuns no local.
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