
O atleta Mykaell Christopher Santos Vieira, de 22 anos, teve seu sonho de disputar competições de karatê interrompido ao ser atropelado em março de 2023 enquanto andava de bicicleta. Ele ia ao trabalho — atuava como empacotador em um mercado para juntar dinheiro para participar das competições — quando um carro saindo de um estacionamento avançou sobre ele.
O acidente foi grave e Mykaell foi levado de ambulância para o Hospital de Emergência Oswaldo Cruz, em Macapá (AP), onde ele vive. O atendimento dado ao atleta, porém, não identificou que o acionador de freio da bicicleta havia se alojado perto de sua pelve com o impacto da batida.
Dores por 9 meses
Durante os 9 meses em que o objeto metálico esteve instalado em sua barriga, o atleta reclamou de dores na região. “Eram muito fortes, sentia dores no abdômen e quadril e muitas vezes fiquei mancando ou arrastando a perna. Eram dores parecidas com pontadas, mas em uma escala muito grande. Eu não conseguia nem caminhar direito”, lembra o jovem.
As dores intensas fizeram, inclusive, o Mykaell ser demitido do trabalho no mercado — os chefes o acusaram de estar fazendo “corpo mole”. O problema também comprometeu sua capacidade de treinar. Sem conseguir mais suportar as dores, em novembro de 2023 ele fez exames de imagem, pagos por conta própria, que revelaram que a peça dentro do seu corpo.
“Foi um choque! Eu, sendo atleta, sabia que tinha passado por um risco muito grande de movimentação por ter aquele manete ali, então o procedimento foi feito às pressas”, diz. Segundo o macapaense, os médicos chegaram a informá-lo que ele havia sofrido um grave risco de ficar em cadeira de rodas ou falecer por infecções e movimentações da peça em seu organismo.
Lidando com o trauma
Mykaell voltou ao hospital em que foi operado inicialmente e exigiu a retirada da peça de seu corpo. Após a cirurgia, ele recebeu alta e não sentiu mais dores.
A recuperação, porém, envolveu meses de fisioterapia, uso de muletas e afastamento dos treinos. A interrupção ocorreu em fase decisiva da carreira, quando ele se preparava para exames de faixa preta e competições de karatê.
Hoje, o atleta voltou a treinar e conseguiu, graças à fisioterapia, voltar a caminhar normalmente. O trauma, porém, afetou também sua saúde mental. “Desenvolvi um quadro de depressão e ansiedade severa. Tive várias crises e pesadelos com os médicos falando que, pela lógica, eu deveria estar morto”, lembra.
Decisão judicial dá indenização de R$ 91 mil
Após o trauma, Mykaell procurou um advogado em busca de um ressarcimento pelos danos de saúde e pelos prejuízos que enfrentou pelo descuido da equipe médica.
O caso resultou em ação de indenização por danos morais contra o Estado do Amapá. A Justiça reconheceu a omissão específica no atendimento e confirmou a responsabilidade civil do hospital diante da negligência médica, mas o estado recorreu. O Tribunal de Justiça do Amapá negou o recurso e fixou a indenização em 25 salários mínimos.
Atendimento falhou, diz jovem
Para Mykaell, é evidente que houve um descaso no atendimento dado a ele. “Os médicos só pediram raio-x do tórax e do joelho, mas eu disse que estava sentindo fortes no quadril e eles não examinaram. Só fizeram uma sutura”, diz o jovem macapaense.
O médico Marcelo Tadeu Caiero, presidente da Sociedade Brasileira do Trauma Ortopédico (SBTO), explica que o procedimento padrão para atendimento de motoqueiros e ciclistas atropelados inclui a realização de exames de imagem para avaliar a presença de corpos estranhos ou de traumatismos no quadril.
“Geralmente, o acidentado sofre fraturas nos membros inferiores e quadril, nos membros superiores, além de lesões na cabeça e no pescoço. Podem ocorrer, ainda, hemorragias causadas por rupturas de grandes vasos, lesões nos órgãos vitais ou infecções generalizadas decorrentes dos traumas, com alto risco de morte”, explica.
A Secretaria de Saúde do Amapá foi procurada para comentar o caso, mas não respondeu até o fechamento da reportagem.
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