Indígenas questionam na justiça duplicação da BR-364 em Rondônia

A duplicação da BR-364, uma das principais rodovias de Rondônia e do Norte do Brasil, está no centro de uma disputa judicial e política. Indígenas do povo Cinta Larga e Zoró denunciam que o governo federal e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) ignoraram o direito à consulta prévia, livre e informada, exigido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pela Constituição Federal.

O caso já chegou à Justiça Federal, com uma Ação Civil Pública (Processo nº 1001008-69.2025.4.01.4101) protocolada pela Coordenação das Organizações Indígenas do Povo Cinta Larga (PATJAMAAJ). O pedido é claro: suspensão do leilão, agendado para 27 de fevereiro de 2025, até que sejam realizados estudos ambientais e consultas às comunidades afetadas.

Desrespeito a legislação

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A petição inicial do processo destaca que o governo não realizou consultas formais com as comunidades indígenas, apesar da rodovia cruzar territórios tradicionais.

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A consulta prévia, além de uma garantia constitucional, está prevista na Portaria Interministerial 60/2015, que determina que obras com impacto em terras indígenas só podem avançar após diálogo com os povos afetados.

Em resposta ao processo, a Justiça Federal de Ji-Paraná indeferiu, no dia 24 de fevereiro de 2025, um pedido de liminar para suspender o certame, alegando que a realização do leilão “é apenas uma das diversas fases do longo processo licitatório”.

No entanto, para os indígenas, permitir o leilão antes da devida consulta significa legitimar um processo que já nasce irregular.

Destruição ambiental

As comunidades indígenas emitiram uma nota de repúdio, assinada por representantes do povo Cinta Larga e do povo Suruí, denunciando que estão sendo excluídas da decisão e alertando para possíveis impactos ambientais irreversíveis.

No documento, elas afirmam que não foram consultadas e que, se a concessão avançar sem diálogo, será “um caminho sem volta de destruição da nossa terra e da nossa cultura”.

Além disso, a Associação do Povo Indígena Zoró (APIZ) e a Cooperativa COOPERAPIZ manifestaram publicamente sua indignação, classificando o processo como “um flagrante desrespeito às leis vigentes e aos direitos dos povos indígenas”.

O cacique Pandererwup Zoró afirma que o “governo tem obrigação de garantir que os povos tradicionais sejam ouvidos antes da tomada de qualquer decisão”

Conflitos socioambientais

Além da violação dos direitos indígenas, a ação judicial aponta que não há Estudo de Impacto Ambiental (EIA) nem Relatório de Impacto Ambiental (RIMA).

O próprio Tribunal de Contas da União (TCU) reconheceu que o traçado da concessão abrange áreas sensíveis e que a falta de estudos pode trazer “riscos concretos e irreparáveis” ao meio ambiente.

A BR-364 é um eixo essencial para o escoamento da produção agropecuária do Norte e Centro-Oeste, mas também atravessa áreas de preservação e terras indígenas.

Para os povos tradicionais, a concessão pode abrir espaço para mais desmatamento, invasões ilegais e conflitos fundiários.

Próximos passos

O caso deve ter novos desdobramentos nos próximos dias. A expectativa é que o Ministério Público Federal (MPF), que atua como fiscal da lei no processo, se manifeste sobre os pedidos indígenas.

Caso o leilão aconteça, organizações indígenas e ambientais já sinalizam que irão recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Enquanto isso, as comunidades afetadas prometem mobilizações e protestos para denunciar a violação de seus direitos e pressionar o governo a cumprir a lei.

Os governos costumam realizar grandes empreendimentos com riscos de impactos ambientais sem consultar os povos da floresta, que moram nas regiões onde as obras vão acontecer.

No caso de Rondônia, a falta de diálogo é um risco não apenas ambiental, mas também jurídico e social, ampliando os conflitos em uma das regiões mais sensíveis do país.

Outras polêmicas

O agronegócio também questiona a rodovia. Movimentos ligados ao setor dizem que a principal crítica é a ausência de previsão para duplicação significativa da rodovia, que possui cerca de 700 km entre Porto Velho e Vilhena.

O plano atual contempla a duplicação de apenas 113 km, especificamente entre Presidente Médici e Jaru, com execução prevista ao longo da próxima década.

Além disso, serão instaladas sete praças de pedágio ao longo da rodovia. Estudos indicam que o custo para um automóvel percorrer o trecho completo será de R$ 100,00, enquanto caminhões pagarão R$ 100,00 por eixo, resultando em R$ 1.600,00 para uma carreta de oito eixos em viagem de ida e volta.

O Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Rondônia (CREA-RO) formalizou denúncia ao Ministério Público Federal e ao Tribunal de Contas da União, apontando que as melhorias previstas são inferiores ao inicialmente planejado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT).

Lideranças empresariais alertam que os altos custos de pedágio podem onerar excessivamente o transporte de produtos agrícolas e pecuários, pilares da economia local, comprometendo a competitividade das commodities rondonienses.

Há também críticas quanto à falta de transparência e participação pública no processo de concessão, com audiências públicas consideradas insuficientes e mal divulgadas.

A obra

Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), aprovou a concessão de 721,07 quilômetros da BR-364 em Rondônia, abrangendo o trecho entre Porto Velho e Vilhena.

O projeto, coordenado pelo Ministério dos Transportes, prevê investimentos de R$ 10,226 bilhões ao longo de 30 anos, incluindo obras de duplicação, faixas adicionais, novos acessos e vias marginais.

A expectativa é que as intervenções gerem mais de 94,9 mil empregos diretos e indiretos nas regiões impactadas.

A ativista ambiental Neidinha Suruí usou as redes sociais para questionar a obra e defender os povos indígenas.

 

Fonte: Voz da Terra

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