O Ministério Público Federal (MPF) analisou a Lei Estadual 5.560/2023, do estado de Rondônia, e identificou uma série de problemas na norma. O dispositivo legal impede a concessão de benefício a pessoas vulneráveis sob o pretexto de que estariam ocupando terras de maneira ilegal sem respeitar a ampla defesa, o contraditório e a presunção de inocência. Para o procurador regional dos Direitos do Cidadão em Rondônia, Raphael Bevilaqua, a lei estadual é “ofensiva à dignidade humana” e seu conteúdo fere direitos básicos.
De acordo com o procurador, ao penalizar os ocupantes – cidadãos em condição de vulnerabilidade econômica e social – com a sua exclusão de programas assistenciais, a Lei estadual 5.560/2023 não pretende “simplesmente inviabilizar a ocupação irregular de terras, mas negar o próprio direito ao mínimo existencial para quem necessita”. A norma prevê que até a participação no programa estatal de fornecimento de cestas básicas fica vedada a essas famílias.
Na avaliação do procurador, a lei também afrontaria o direito social ao trabalho e à isonomia ao vedar o acesso a cargos públicos por motivo que não seja a mera desqualificação pessoal para a função. Outro ponto destacado pelo representante do MPF é que a lei de Rondônia acabaria por legislar sobre normas gerais de licitação e de contratação com o poder público, invadindo competência privativa da União. Por fim, segundo o MPF, o dispositivo normativo de Rondônia dificulta ou inviabiliza manifestações de movimentos sociais que têm como objetivo melhor distribuição de terras.
Outro ponto destacado por Bevilaqua é que a lei estadual tende a dificultar soluções fundiárias construídas a partir de diálogo e entendimento mediados pelas Comissões Regionais de Soluções Fundiárias, trazendo junto o “risco de agravamento da violência no campo em um estado em que já é alto o índice de violência (figurando entre o 1º e 2º lugar dentre estados mais violentos em mortes no campo há mais de uma década)”.
Bevilaqua também alerta que, além de Mato Grosso, que também aprovou legislação semelhante à lei sancionada em Rondônia – Lei 12.430/2024 –, há projetos de leis com igual teor em trâmite nas Assembleias Legislativas de Mato Grosso do Sul (Projeto de Lei 25/2023), São Paulo (Projeto de Lei 506/2023), Minas Gerais (Projeto de Lei 327/2023), Rio Grande do Sul (Projeto de Lei 154/2023) e Paraná (Projeto de Lei 534/2023). Também tramitam propostas na Câmara dos Deputados (Projetos de Lei 709/2023, 895/2023 e 1.373/2023).
Decisões – O MPF cita que o exercício dos direitos de reunião e de associação, como garantias indissociáveis do regime democrático é assegurado pela Constituição Federal (art. 5º, XVI e XVII). No documento, também são citadas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828/DF pela suspensão de remoções forçadas durante a pandemia, nos âmbitos administrativo ou judicial. Na mesma ação, a Corte também fixou diretrizes para o poder público e demais órgãos do Poder Judiciário quanto à retomada das medidas administrativas e judiciais que haviam sido suspensas cautelarmente.
Ao tratar do exercício da liberdade de reunião, em outra decisão, a Corte Suprema assentou como “essencial para a criação de um ambiente democrático real que oportunize ao cidadão desempenhar adequadamente o seu papel de cointérprete da Constituição, propiciando a criação de agendas sociais que poderiam passar ao largo dos interesses político-partidários hegemônicos”. Os ministros também decidiram que não encontra amparo na Carta Magna a criação de “tipos sancionadores que inovam na ordem jurídica e que representam verdadeira restrição do núcleo essencial do direito fundamental, sem fundamento legal que delineie princípios inteligíveis aptos a guiar sua respectiva aplicação e controle”.
No entendimento do procurador, “os potenciais beneficiários da política nacional de reforma agrária não podem ser prejudicados ou discriminados por cumprirem dois desígnios constitucionais, quais sejam, buscar a reforma agrária e se associarem livremente para tal fim, mobilizando-se e estabelecendo estratégias legítimas para essa finalidade”.
Todas essas ponderações a respeito da norma em vigor no âmbito do estado de Rondônia constam de documento encaminhado pelo procurador Raphael Bevilaqua ao procurador-geral da República, a quem cabe analisar se é o caso de acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a constitucionalidade da norma.
Fonte: Assessoria