A apreensão de 29 araras-azuis-de-lear (Anodorhynchus leari) e sete micos-leões-dourados (Leontopithecus rosalia) no Suriname no final de julho deu início a uma ação integrada dos Ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Justiça e Segurança Pública e Relações Exteriores para a repatriação dos animais, que são nativos da fauna brasileira. A operação conta também com o apoio de instituições parceiras dos Planos de Ação Nacional para a Conservação das Espécies Ameaçadas (PAN).
Os animais serão resgatados por uma equipe formada por veterinários e especialistas do ICMBio e IBAMA e policiais federais, que estão a caminho do Suriname nesta terça-feira (22/8) em aeronave da Polícia Federal e retornarão no dia seguinte. Cada animal será acondicionado em uma caixa individual. O voo partiu de Brasília, com escala em Belém, com destino a Paramaribo. O retorno, também com escala em Belém, será no dia 23 com destino a Guarulhos/SP, onde os animais serão desembarcados e encaminhados.
Além de participar do resgate, os policiais federais realizarão interações com as autoridades do Suriname para levantamento de informações no interesse do Inquérito Policial instaurado para investigar o tráfico dos referidos animais, bem como identificar possíveis rotas e táticas ilegais usadas pelos biotraficantes, fortalecendo a cooperação policial internacional contra os crimes ambientais.
Destino dos animais
No caso do mico-leão-dourado, após um período de quarentena no Zoológico Municipal de Guarulhos, os sete indivíduos passarão a fazer parte da população de segurança da espécie.
As populações de segurança são mantidas em instituições de manejo ex situ (fora do ambiente natural) nacionais e estrangeiras, onde todos os indivíduos têm sua origem e genealogia conhecidas, e são manejados de forma a garantir uma população viável do ponto de vista demográfico e genético, para liberações na natureza, onde e quando se julgar necessário. As reintroduções de micos entre as décadas de 1980 e 2000 foram fundamentais para o reestabelecimento da espécie, com população hoje estimada por pesquisadores em 4.800 indivíduos.
Todos os micos passarão por uma avaliação individual, comportamental e de saúde e, durante o período de quarentena, terão material biológico coletado para investigação de parentesco entre os indivíduos e da origem populacional (que ajudará nas investigações sobre a rede de tráfico), a serem realizadas no Laboratório de Biodiversidade Molecular e Conservação da UFSCAR. Após estes resultados, os animais poderão ser integrados oficialmente ao Programa de Manejo da espécie, com orientação sobre a sua melhor destinação.
As 29 araras-azuis-de-lear que serão repatriadas nesta operação serão levadas para Cananéia/SP, para quarentena e avaliações. Elas contribuirão para o manejo populacional integrado da espécie. Após as análises sanitárias, comportamentais e genéticas, serão destinados pelo Programa de Manejo de acordo com sua atribuição mais importante dentro do plano de conservação. Mesmo aqueles indivíduos que não possam ser soltos na natureza contribuirão com a conservação da espécie em seu ambiente natural, graças à existência deste Programa e de parceiros que também têm a conservação como objetivo primordial. O objetivo único do Programa é o revigoramento da população de araras-azuis-de-lear na natureza. Grupos de araras oriundos deste Programa, envolvendo animais nascidos sob cuidados humanos e resgatados, estão sendo liberados na Caatinga desde 2019 e elevaram a população no Parque Nacional Boqueirão da Onça de 2 para 19 indivíduos, sendo quatro deles nascidos de um casal reintroduzido em Boqueirão.
Caso o governo do Suriname não houvesse interceptado esses animais e repatriado ao Brasil, eles seriam alijados de seu papel ecológico e de qualquer contribuição para a conservação destas espécies tão ameaçadas.
Importante destacar que, além dos órgãos federais envolvidos, as seguintes instituições têm papel fundamental nessa ação de conservação:
- Freeland Brasil: organização de combate ao tráfico de espécies silvestres que trouxe as primeiras informações sobre a apreensão com divulgação na imprensa, além de atuação na articulação internacional e institucional
- Associação Mico-Leão-Dourado (AMLD): comunicação e articulações institucionais
- Zoológico de São Paulo: apoio da studbook keeper (livro de registros genealógicos da espécie) e empréstimos das caixas para o transporte dos micos-leões;
- Zoológico Municipal de Guarulhos: recebimento dos micos-leões para quarentenamento e manutenção;
- Qualis Ambiental – equipe que lidera o projeto de soltura da arara-azul-de-lear
Sobre as espécies e o estado de conservação
A arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) é endêmica da Caatinga e, portanto, do Brasil. Está categorizada como Em Perigo (EN) de extinção, tanto na avaliação global quanto na nacional. É listada no Apêndice I da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites) e é contemplada no Plano de Ação Nacional para Conservação das Aves da Caatinga e no Programa de Manejo Populacional da Arara-azul-de-lear, que tem por objetivo revigorar a população da espécie em Boqueirão da Onça/BA, um dos únicos locais onde a espécie ainda persiste na natureza.
O mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia) também é espécie endêmica do Brasil, com distribuição restrita a remanescentes florestais severamente fragmentados da Mata Atlântica de baixada do Rio de Janeiro. Está categorizado como Em Perigo (EN) de extinção, tanto na avaliação global quanto na nacional. É listado no Apêndice I da Cites e é contemplado no Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Primatas da Mata Atlântica e da Preguiça-da-coleira - PAN PPMA, e em Programa de Manejo Populacional para a sua conservação.
Ambas as espécies têm populações extremamente reduzidas na natureza, cuja maior parte está restrita a Unidades de Conservação sob gestão do ICMBio: APA da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado (RJ), APA Petrópolis (RJ), Reserva Biológica de Poço das Antas (RJ) e Reserva Biológica União (RJ), para L. rosalia; e Parque Nacional Boqueirão da Onça (BA) e Estação Ecológica Raso da Catarina (BA), para A. leari.
Fonte: Assessoria