A Câmara dos Deputados aprovou na semana passada o relatório do Grupo de Trabalho sobre o sistema de governo semipresidencialista. Criado em março deste ano pelo presidente da Casa, deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), o GT é composto por oito parlamentares que elaboraram um documento em que recomendam a adoção de um novo regime a partir do ano de 2030, mas para isso seria necessário a consulta à população por meio de plebiscito, bem como a realização de campanha por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Atualmente, o Brasil possui um sistema presidencialista em que um presidente é eleito diretamente pelo voto popular para implementar o projeto que apresentou durante as eleições. Durante o mandato, o presidente acumula as funções de chefe de Estado e de governo, mas também depende de negociações com o Legislativo para aprovar projetos de lei e o orçamento.
Já no semipresidencialismo proposto pela Câmara, as votações para presidente continuariam, porém ele ficaria responsável apenas pela chefia de Estado, enquanto o governo seria administrado por um primeiro-ministro, indicado por ele e que fosse aprovado pela maioria do Congresso.
Os deputados que compõem o GT – Enrico Misasi (MDB-SP), Felipe Rigoni (União Brasil-ES), Luisa Canziani (PSD-PR), Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), Marcel van Hattem (Novo-RS), Margarete Coelho (PP-PI), Samuel Moreira (PSDB-SP) e Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) – argumentam no texto aprovado que o presidencialismo se mostrou historicamente incapaz de lidar com crises de deslegitimação popular e parlamentar, levando inclusive a quebras do regime representativo e a casos de períodos de exceção.
Além disso, afirmam que a separação entre os poderes Executivo e Legislativo provoca situações em que nenhum dos dois consegue exercer suas atribuições e que, como administrar implica aprovar leis, um sistema rígido estaria condenado à disfuncionalidade.
“Essa tendência geral do presidencialismo à disfuncionalidade tem se expressado principalmente pelo reforço do poder do Congresso Nacional, o que, aliás, não surpreende, pois é dele, afinal, a última palavra no processo legislativo, inclusive no processo orçamentário. A situação revela-se disruptiva pela inexistência do estímulo institucional correspondente para que os partidos e legisladores da base parlamentar do governo assumam a responsabilidade pela execução do programa governamental. Essa situação só pode resultar em crises políticas periódicas e em inoperância do Estado”, diz o texto.
O doutor em Ciência Política e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Carlos Souza, explica que apesar da mobilização do atual Congresso em torno do tema, uma mudança no sistema de governo não é tão simples, já que seria necessária a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com votos favoráveis de 2/3 do parlamento. O relatório não apresenta um projeto para tramitação, mas conta com a minuta de um decreto legislativo para convocação de um plebiscito.
O documento indica que o TSE seria responsável por convocar os eleitores e organizar o processo de consulta popular, assegurando a organização de partidos políticos e frentes suprapartidárias em torno das opções pelo presidencialismo ou semipresidencialismo, bem como pela veiculação de campanhas nos meios de comunicação de massa. Além disso, a minuta indica que a pergunta que deveria ser feita aos eleitores é: “O Brasil deve adotar o sistema de governo semipresidencialista, em que o presidente da República é eleito diretamente pelo povo e indica o nome de um primeiro-ministro para a aprovação do Congresso Nacional?”.
Para Carlos Souza, a proposta de um semipresidencialismo deve encarar alguns desafios para avançar, como o custo para a realização do plebiscito a nível nacional, e questões relacionadas à organização política do Brasil. “Será que um presidente eleito vai querer assumir nesse sistema? O Legislativo também tem que lidar com o problema da reforma política para poder mudar o sistema de governo”, pondera o docente, mencionando a questão da grande fragmentação partidária. O professor lembra que em Portugal, por exemplo, há de cinco a sete partidos com representatividade. Diferente do Brasil, onde atualmente existem 32 partidos e 26 com assento no Congresso.
“É essa fragmentação que obriga o governo a negociar com várias forças políticas, algumas delas fisiológicas, que acabam agindo em torno de determinados interesses. Esse é um problema da estrutura de poder”, acrescenta Souza, que salienta ainda a importância da atenção com cultura da população. “Creio que os eleitores vão ter dificuldade de entender isso porque eles já não entendem o sistema atual”, pontua.
A ideia de um sistema semipresidencialista também deve encontrar resistência entre os próprios parlamentares. O deputado federal reeleito Airton Faleiro (PT) diz que vai manter uma postura crítica e contrária ao projeto. “Para mim é uma tentativa de golpe da extrema direita para quando o Lula vencer as eleições. Já teve plebiscito no Brasil e a população decidiu pelo sistema presidencialista, aí vem o Congresso com essa proposta de alterar o regime, por isso o relatório que foi aprovado não conta com parlamentares de oposição. O relatório diz que não haveria mudança logo, mas quem garante que eles não vão apresentar alguma emenda para que possa valer a partir de agora?”, questiona.
Faleiro diz ainda que a medida seria uma forma de aumentar o poder do parlamento, que, no entanto, desconsidera, a realidade brasileira e outras prioridades. “Esse sistema funciona em outros países com um nível maior de consciência política do eleitor e sem esses mecanismos eleitoreiros, como o orçamento secreto. O Brasil deveria gastar esse tempo para discutir políticas públicas que são necessárias para melhorar a condição de vida da população”, ressalta.
O LIBERAL