A Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal (4CCR) considerou inconstitucional a Lei Complementar nº 1.089/2021, editada pelo Estado de Rondônia em maio deste ano. A norma reduz os limites da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará-Mirim; prevê a possibilidade de regularização ambiental da propriedade ou posse de imóveis rurais localizados nas áreas desafetadas; e cria cinco novas unidades de conservação, como medida de compensação.
O Colegiado da 4CCR analisou o tema durante a 10ª Sessão Ordinária de Coordenação, realizada em 30 de junho. Na ocasião, o órgão superior acolheu representação elaborada por três membros do MPF e decidiu encaminhar o caso ao procurador-geral da República, “para que examine, no exercício de sua competência e de sua independência funcional, eventual cabimento de arguição de inconstitucionalidade/descumprimento de preceito fundamental”.
No total, a lei estadual determina a perda de cerca de 218,4 mil hectares de áreas protegidas, supostamente compensados com cerca de 120 mil hectares em novas unidades de conservação, ainda não implementadas. Na avaliação da Câmara Ambiental do MPF, a norma “padece de vícios de incompatibilidade com preceitos fundamentais albergados pela Constituição da República Federativa do Brasil”.
A 4CCR aponta que tanto a Resex Jaci-Paraná como o Parque Estadual de Guajará-Mirim foram criados em áreas de propriedade da União Federal, destinadas ao Estado de Rondônia para a implementação vinculada de unidades de conservação. Na prática, isso quer dizer que compete à Rondônia apenas implementar as áreas ambientalmente protegidas, em atendimento à definição finalística dada pela União. O ente federado não tem atribuição para desafetar as áreas, “dando ao patrimônio alheio destinação distinta daquela definida pela efetiva proprietária”.
Segundo o órgão superior do MPF, ao editar a Lei Complementar nº 1.089/2021, o Estado de Rondônia agiu em desvio de finalidade, extrapolando as competências que lhe são constitucionalmente atribuídas. O ente dispôs de patrimônio alheio (da União) e violou a obrigação de observar a função social e ambiental atribuída à propriedade federal.
Competência federal – A 4CCR cita ainda que, conforme a Constituição Federal, a alteração ou a extinção de unidades de conservação só pode ocorrer por meio de lei. No caso da Resex Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará-Mirim, o órgão do MPF sustenta que essa lei teria que ser federal, e não estadual. Isso porque, embora a criação das unidades tenha se dado por meio de decretos estaduais, “a definição das áreas como espaços especialmente protegidos não resultou apenas de atos administrativos praticados pelo Estado de Rondônia, mas também de atos administrativos praticados pela União”.
Em relação a esse ponto, a Câmara Ambiental lembra que a destinação das áreas à conservação ambiental e uso sustentável dos recursos naturais no Estado de Rondônia ocorreu, também, em razão de compromissos internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro. Em 1993, o país celebrou contrato de empréstimo com o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) para o financiamento do Plano Agropecuário e Florestal do Estado de Rondônia (Planafloro). “O Estado Brasileiro – e não o Estado de Rondônia – recebeu US$167 milhões do BIRD para o financiamento dessa iniciativa”, esclarece a representação.
Áreas protegidas – A 4CCR ressalta a importância da Resex Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará-Mirim para a proteção do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, já que as unidades foram criadas com o objetivo de estancar perdas de recursos de flora e fauna, bem como de minorar conflitos sociais que se operavam em prejuízo de comunidades tradicionais. Segundo o órgão do MPF, ao reduzir os limites das áreas protegidas, o Estado de Rondônia violou o dever de preservar os atributos ecológicos que justificaram a criação das unidades de conservação.
Na representação, os autores alertam que não houve estudos aprofundados a respeito do impacto dessa medida, o que viola os princípios da prevenção e da precaução, bem como o dever estatal de assegurar o acesso público à informação de natureza ambiental. Para o colegiado, “a redução dos limites da Resex Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará- Mirim foi um tiro no escuro: partiu-se do pressuposto, não comprovado tecnicamente, de que a mera criação de novas unidades de conservação compensaria os impactos a serem produzidos ao meio ambiente”.
Por outro lado, o documento aponta que a desafetação de mais de 80% da Resex Jaci-Paraná e de 20% do Parque Estadual de Guajará-Mirim comprometerá a integridade de territórios de povos e comunidades tradicionais, “em violação à proteção conferida constitucionalmente a esses povos e às terras indispensáveis à sua reprodução identitária”. Registra também que não houve consulta prévia, livre e informada aos povos e comunidades tradicionais envolvidos, como prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.
Após deliberação do colegiado da Câmara Ambiental do MPF, a representação foi encaminhada para análise do procurador-geral da República, Augusto Aras, a quem cabe propor ações de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.