O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e os senadores concordaram em fazer alterações na Portaria Ministerial 2.282, baixada em 27 agosto e que determina novas diretrizes para o aborto legal, como a obrigatoriedade de os médicos informarem à polícia os casos de acolhimento com indício ou confirmação de estupro. O dispositivo já está tramitando no Congresso e sofreu intervenção dos deputados.
O líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE), disse que o ministério encaminhará aos senadores as deliberações e entendimentos fechados com os deputados para que a Casa possa contribuir com alterações à Portaria, que encontra resistências do Legislativo. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), classificou o documento como “ilegal”, pois exporia a vítima de estupro ao obrigá-la a assinar termos de responsabilidade, sem contar que determina à equipe médica que fizer o atendimento notificar a polícia sobre a violência.
Ana Paula Braga, advogada especializada em direito da mulher, disse que a portaria do ministério configura um atentado ao direito das mulheres. “Em uma primeira leitura, a portaria pode dar a impressão de querer auxiliar na punição dos casos de violência sexual. Mas, se observarmos melhor, vemos que trata-se de medida que prejudica as mulheres que decidem interromper a gestação legalmente”, disse, salientando os artigos previstos no artigo 128 do Código Penal.
No Brasil, o aborto é legalmente permitido em três situações: se a gravidez for decorrente de estupro; se representar risco à vida da mulher; e em caso de anencefalia fetal (não formação do cérebro do feto).
Ana Paula lembrou que, antes da portaria do ministério, não era necessário que uma vítima de estupro registrasse boletim de ocorrência para realizar o aborto. “A portaria também exige que vários profissionais concordem com o procedimento e assinem um termo. Já a vítima deverá assinar um termo de que poderá ser responsabilizada por aborto criminoso e falsidade ideológica, caso não se constate a prática do estupro. Mas estupro é um dos crimes mais difíceis de se comprovar, pois raramente deixa provas e testemunhas”, explicou a advogada.
Renata Jardim, integrante do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres, explicou que o atendimento correto seria prezar pelo cuidado. “Essas vítimas já passaram por uma série de constrangimentos, de violações, e vão buscar a saúde para um atendimento que seja uma acolhida. Elas não estão buscando a polícia em um sentido de responsabilização. Elas estão procurando um espaço para serem cuidadas”, observou.
Uma das justificativas do ministério para a nova portaria é a possibilidade, com a notificação à polícia, de se ter um maior controle dos índices de estupro no país, aumentando o suporte às vítimas e, também, aprimorando as políticas públicas relacionadas ao crime. “Somente punir os agressores não tem o efeito de garantir que essas mulheres vão sair dessa situação. Na verdade, coloca as mulheres ainda em mais risco. Acabam, por medo e por não confiarem na resposta estatal, não acessando o serviço público porque não querem prosseguir o processo criminal”, afirmou.