A Central de Transplantes de Rondônia, que atende transplantados e doadores, suspendeu as atividades de transplantes renais em dezembro de 2019 após a Secretaria de Estado de Saúde (Sesau) descobrir irregularidades na coleta dos exames.
Por causa da interrupção dos serviços, os pacientes já transplantados temem ficar desassistidos pelo poder público.
(ATUALIZAÇÃO: Inicialmente, a Sesau informou que os transplantes foram suspensos provisoriamente em dezembro de 2019. Mas após publicação desta reportagem enviou uma nota esclarecendo que apenas parte do serviço de transplante renal foi suspenso. E que continuam funcionando o banco de olhos de Rondônia, Ambulatório de Transplantes Hepático, e equipe autorizada de pele e osso. A reportagem foi atualizada às 12h32 – horário de Brasília.)
É o caso de Valdete Cecília, de 54 anos, que recebeu um novo rim há 10 meses. Ela passou cinco anos fazendo hemodiálise e mais de 2 anos na fila de transplante. Hoje toma cerca de 12 remédios por dia e precisa fazer exames todos os meses para evitar a rejeição do órgão recém-chegado. “É uma vida quase normal”, diz.
Ela é uma das 18 pacientes da Central de Transplantes de Rondônia que passou por cirurgia em 2019 em Porto Velho. O sentimento de alívio pós-procedimento acabou há mais de três meses, quando soube que a central iria paralisar os atendimentos.
O acriano Ruilan da Silva Alves, de 24 anos, divide a mesma preocupação de Valdete: ficar sem ajuda. Ele viaja mais de 800 km todos os meses para ser atendido em Porto Velho.
“O ônibus que eu venho é daqueles ‘pinga-pinga’, sabe? E demora 10 horas a viagem. Eu já venho para Rondônia porque no meu estado não tenho ajuda. Se aqui não tiver eu vou pra onde? A gente sente náusea e dor de cabeça por causa dos remédios e não é legal ficar de cima pra baixo 10 horas dentro de um ônibus”, comenta Ruilan.
Outro companheiro de tratamento é o jovem Sérgio Justiniano, de 21 anos. Ele diz ser grato por ter sido beneficiado com o transplante, mas sente medo em pensar que terá que sair de Rondônia, caso a central feche as portas definitivamente.
“Nosso coração chega a doer, porque não somos só nós os transplantados que corremos riscos, mas também outras pessoas, como as que estão esperando por um transplante. As pessoas que entraram 2020 pensando: ‘poxa talvez esse seja o ano do meu transplante’, mas e aí? Eles sabem que o transplante tá parado?”, questiona Sérgio.
O G1 levou os relatos dos transplantados à Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), responsável pelo complexo hospitalar do Hospital de Base Dr. Ary Pinheiro onde está instalada a Central de Transplantes de Rondônia.
Segundo Elizete Gama Nascimento de Almeida, coordenadora técnica de saúde, os transplantes foram suspensos provisoriamente em dezembro de 2019, pois a gestão descobriu irregularidades na aquisição de exames junto às instituições de ensino superior conveniadas a Sesau.
“Nós sofremos um atraso na realização dos exames que precisam ser coletados inicialmente, para aqueles pacientes que ainda vão passar pelo transplante. Na gestão anterior, a forma de aquisição desses exames era feita de forma irregular. O fluxo estava equivocado. Tomamos conhecimento disso em meados de outubro. Em novembro disparamos o [contrato] emergencial e, desde o dia 28 de novembro, ele está pronto”, explicou.
Mesmo pronto, o novo contrato não pode entrar em vigor por falta de orçamento, segundo Elizete Almeida.
O orçamento do estado para a área da saúde em 2020 deve sair somente no dia 15 de janeiro, conforme a Secretaria de Estado de Planejamento, Orçamento e Gestão (Sepog) e Secretaria de Finanças de Rondônia (Sefin).
A expectativa da Sesau é que a partir da segunda quinzena de janeiro, com a divulgação do orçamento, os atendimentos na Central de Transplantes sejam normalizados.
Em situações de urgência para os transplantados, a Sesau diz que existe “um celular com os médicos do centro para atender as urgências dos pacientes”.
Até lá, os pacientes seguem preocupados. “Eu estou nas mãos de Deus”, afirma Ruilan.
Transplantes em Rondônia
O estado realiza captação e transplante de rim e córnea. Em 2018, segundo a Sesau, 12 pessoas passaram por cirurgia de transplante e no ano seguinte 18. Atualmente, 117 pessoas estão na lista de espera por um órgão e outras 147 aguardam pelos exames para entrar nessa lista.
Também são acompanhados pelos médicos do centro 215 pacientes que foram transplantados em outros estados, mas residem em Rondônia.
A Central Estadual de Transplantes está instalada em anexo ao Hospital de Base Ary Pinheiro, na avenida Jorge Teixeira. As cirurgias de captação são realizadas no próprio Hospital de Base e os doadores são viabilizados nas cidades de Porto Velho, Ji-Paraná, Cacoal e Vilhena.
Entenda o transplante e doação de órgãos em seis pontos:
Há dois tipos de doações possíveis, a de doadores vivos ou a doação após a morte
Em caso de doação após a morte, no Brasil, é obrigatória a autorização da família
Santa Catarina e Paraná são os estados com maior número de transplantes no país
Órgãos retirados têm tempos variáveis de espera máxima para o transplante
O transplante de rins é o transplante de órgãos sólidos mais realizado no país
A Espanha é o país com maior número de doações de órgãos no mundo
Isquemia
O Ministério da Saúde (MS) listou o tempo de isquemia, ou seja, o tempo que cada órgão pode sobreviver fora do corpo humano antes de um transplante. Os rins conseguem se manter por até dois dias antes de serem transplantados; o coração se mantém apenas quatro horas.