“O medo característico da situação traumática e estressante em geral está muito relacionado ao desenvolvimento de doenças que podem levar as vítimas a terem até mesmo casos de depressão”, Andréia Drews, ativista feminista
Desde palavras aparentemente inocentes a casos de crimes de agressão e morte sob diversos pretextos, a violência doméstica contra as mulheres apresenta um grave contorno de casos registrados e não registrados por diferentes motivos. Mesmo com as leis de proteção à Mulher, a criação de Delegacias específicas e uma discussão que cresce – ainda que lentamente – a maioria das mulheres brasileiras não se sentem protegidas por essas leis, conforme apontam pesquisas realizadas por diversos órgãos públicos e privados.
De acordo com uma pesquisa realizada pelos indicadores do Senado Federal em agosto de 2015, 63% das mulheres brasileiras acreditavam que a violência doméstica e familiar aumentou nos últimos anos. Da mesma forma, outra pesquisa realizada no mesmo ano comprovou que houve uma crescente nos indicativos de desrespeito em relação à mulher entre 2013 e 2015, com taxas indo de 35% para 43%.
Andréia Drews, ativista feminista em Vilhena-RO, explicou em entrevista a esta reportagem que os motivos ocasionais a esse tipo de violência podem ser encontrados desde o âmbito social com aspectos culturalmente trabalhados ao longo dos anos, até a própria estrutura patriarcal em que as pessoas estão inseridas na sociedade.
“Em um mundo feito por homens e para os homens, a inferioridade da mulher é clara. Se você pegar a não muito tempo atrás, uns setenta anos por exemplo, as mulheres viviam em um ambiente onde era necessário que se pedisse autorização para trabalhar fora, para sair, as mulheres não dirigiam, não votavam”, ela comentou estabelecendo a relação entre legitimação do discurso misógino e machista com as questões da violência doméstica sofridas pelo sexo feminino.
A ativista também menciona o fato de que as pessoas confundem a violência doméstica como sendo prática somente do namorado, marido ou companheiro, enquanto na verdade esse tipo de agressão parte de membros homens da família no geral. “Como a violência doméstica é caracterizada por acontecer no âmbito do lar, as agressões geralmente partem de membros da família, companheiros, pais, tios, etc.; e tendem a superiorizar a figura masculina em detrimento da figura feminina”, ela afirmou.
As várias faces da violência doméstica
A violência doméstica, pontuada não só por Andréia como também por muitos outros membros de organizações que visam colocar em pauta e discutir esse problema social, parte do princípio de que a mulher é constantemente agredida – física, psicologia e financeiramente – por pessoas com as quais mantém laços afetivos próximos. O reconhecimento dessas agressões, muitas vezes, é extremamente importante para que a vítima saiba com o que está lidando e procure ajuda, ainda segundo a feminista que garante “o feminismo é responsável por orientar as mulheres a respeito das violências sofridas, e fazer com que elas percebam que sofrem isso e lutem contra essas violências”.
Dentre as especificidades da violência doméstica, pode-se caracterizar como as mais recorrentes a física (envolvendo mesmo os casos de morte), a psicológica (envolvendo o controle e a naturalização dos discursos de inferioridade da vítima em relação ao seu companheiro) e a financeira (característica do controle do homem sobre a renda da mulher, seja tomando seu dinheiro como dele ou impedindo que ela tenha meios de se manter financeiramente).
Em contato com uma vítima de violência doméstica, a reportagem coletou o depoimento de uma mulher que chamaremos pelo nome fictício “Vitória” a fim de preservar sua verdadeira identidade, a qual relatou sua experiência enquanto vítima de seu namorado. Vitória contou que um dos primeiros sinais que a fez perceber que estava sofrendo violência foi o temperamento explosivo do companheiro, em situações que acabavam resultando em ataques de ciúmes excessivos sem motivo e legitimação de discurso que a inferiorizava.
“Teve várias outras situações que me alertaram, como por exemplo, ele me proibiu de usar maquiagem, roupas mais escura porque segundo ele eu chamava atenção demais, e namorada dele não podia chamar a atenção e ser desejada”, relatou Vitória. O relacionamento durou cerca de quatro meses e meio, com episódios que chegaram a evoluir para relações sem proteção forçada pelo namorado de Vitória que, amedrontada, buscava escondida seus próprios métodos de prevenção.
Andréia explica essa sensação de posse por parte dos companheiros partindo da ideia de que para a sociedade, através dos discursos de legitimação masculina, “a mulher não é vista como gente, e sim como uma extensão do homem. Essa visão corta a mulher em seu potencial, em suas qualidades, ideias, força e vontades”.
“Ele sempre repetia coisas para mim como: ‘se eu te largar, ninguém vai ficar com você assim. Sorte sua que eu tenho muita paciência com você, porque se fosse outro você já estava sozinha’” – Vitória escutou esse discurso durante todo o seu namoro, sentindo-se desvalorizada o tempo todo.
Entre os tipos de violência doméstica praticados contra a mulher, certamente se caracteriza como o mais forte e silencioso o abuso psicológico. A violência psicológica pode ser encarada a partir do momento em que o parceiro, pai, irmão, tio, ou outro membro masculino usa de palavras que inferiorizem a figura feminina, tratando-a como uma peça menor no âmbito do lar e designando a ela a culpa por acontecimentos paralelos.
Reconhecer e Despertar é preciso
A ativista feminista enfatizou ainda a importância de a vítima reconhecer que está e qual o tipo de violência vem sofrendo dentro de sua casa. Esse será o primeiro passo para que ela passe a se organizar e questionar o que está vivendo, podendo resultar em uma maneira de encontrar meios para se livrar dessas agressões.
“O movimento feminista visa, sobretudo, o despertar dessa mulher sobre questões que envolvem a restrição da figura feminina a atividades que na verdade são de obrigação geral”, comentou Andréia, trazendo um enfoque sobre a dimensão que essas ações tomam para uma vítima a partir do momento que ela passa a perceber o que está acontecendo.
Entretanto existem muitos motivos que acabam gerando uma dificuldade em relatar o que está acontecendo para outras pessoas, ou mesmo denunciar o agressor. Uma pesquisa realizada por diversos especialistas e pesquisadores do caso mostra que dentre as várias causas do silenciamento das vítimas está o medo de receber retaliação por parte dos companheiros.
Vitória narrou que buscou ajuda, contando para a mãe e uma amiga o que estava passando com o namorado, sendo questionada pela mãe sobre a realidade do que passava. “Minha mãe reagiu achando que eu estava mentindo, porque perto dela ele era um amor, bom rapaz, de igreja, trabalhava bastante, mas quando ela voltava pra cidade dela (por que morávamos em cidades diferentes), ele voltava a fazer as coisas ruins para mim”.
Após várias semanas de sofrimento, onde Vitória conta que o namorado chegou a proibi-la de se alimentar alegando o sobrepeso e a necessidade dela em emagrecer (causando problemas de aceitação em relação ao próprio corpo), a vítima deu um basta na relação. “É muito dolorido ver que eu passei por tudo isso, e sozinha. Eu não encontrei uma pessoa que me apoiasse, que falasse pra mim que estava tudo bem eu sair de uma situação assim. Hoje depois de tudo, depois que eu superei essa situação, me fiz cada vez mais empoderada de mim mesma, e vi que não preciso disso, não preciso de alguém assim na minha vida”.
Muitas mulheres também decidem colocar um fim a essas agressões, enfrentando seus próprios medos e os que o agressor representa, deixando para trás seus relacionamentos abusivos e recomeçando suas vidas. As que optam por permanecer dentro dessas relações são tão fortes quanto, uma vez que estão deixando de assumir determinado papel em detrimento de filhos, financeiro ou por seus sentimentos.
As consequências para quem permanece ou para aquelas de resolvem enfrentar essa situação são as mais diversas. Problemas psicológicos, de saúde, ameaças, julgamento da sociedade, enfrentar novas dificuldades. As mulheres estão constantemente em situações de violência, enquanto as mudanças sociais e jurídicas correm lentamente para o que deveria ser a possibilidade de mudança na forma como são tratadas e vistas.
“Nenhum movimento político pode ser egoísta, todos temos que tomar o lugar do outro e ser empáticos – acho que isso caracteriza o movimento feminista: a capacidade de entender que mesmo que não me atinja diretamente, mas a partir do momento que outra mulher está passando por isso eu me sinto atingida porque também sou mulher”, disse Andréia.
“Vai ficar tudo bem, mantenha a calma e tente contar para pessoas que convivem com você, se não acreditarem, continue contando. Está tudo bem querer sair dessa, e você vai se sentir melhor, eu queria que alguém tivesse dito para mim que tudo ficaria bem. Denuncie, mostre pra todos o agressor que ele é, que por trás da cara de bom moço, tem uma pessoa horrível. E principalmente, fique firme, irmã”, Vitória declarou para outras adolescentes, moças e mulheres que estejam passando por essa situação.
Texto: Mizellen Amaral
Fonte: Folha de Vilhena
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