Pesquisa apontou a relação do fluxo sazonal do Rio Madeira com a produção do pescado e os efeitos das usinas hidrelétricas.
A instalação e funcionamento das usinas hidrelétricas Santo Antônio e Jirau em Rondônia têm gerado fatos irreversíveis para o rio Madeira, um dos principais afluentes do Rio Amazonas. Esta é uma das conclusões da tese de doutorado da bióloga Maria Alice Leite Lima, defendida recentemente na Universidade Federal de Rondônia (UNIR).
Rio Madeira conta com mais de três mil quilômetros de extensão
Com o tema “História do ecossistema e dos recursos pesqueiros frente a implementação de hidrelétricas na bacia do rio Madeira”, a pesquisa teve objetivo de analisar os efeitos das hidrelétricas nas interações alimentares das espécies do rio, além de avaliar a influência do nível hidrológico, alterado pelos barramentos, na captura pesqueira e no preço dos peixes ao consumidor final.
Dentre as fontes de informação para a pesquisa, Maria Alice, que também é sócia da organização da sociedade civil Ação Ecológica Guaporé – Ecoporé, ressalta que realizou a coleta de dados in loco durante os anos de 2009 a 2013, além de contar com informações de 1990 a 2014 fornecidas pela Colônia de Pescadores Tenente Santana Z-1. Maria Alice confirmou a hipótese de que as variações naturais do nível hidrológico controlam o ciclo de vida das espécies mais importantes para a comercialização, e afetam, consequentemente, a captura da pesca artesanal do rio Madeira, algo que agora está irreversivelmente alterada com os impactos das hidrelétricas que ameaçam os estoques pesqueiros amazônicos, especialmente os grandes bagres migradores.
Estes resultados já publicados na prestigiada revista científica Ecohydology destacou que a variação do nível do rio é primordial na estruturação dos padrões de captura pesqueira, como explica Maria Alice: “A construção de barramentos além de modificarem a dinâmica natural dos ecossistemas, afetam diretamente as populações que dependem dos estoques de peixes, como fonte de renda e/ou subsistência”.
A tese foi desenvolvida com orientação da Doutora em Gestão Pesqueira pela Universidade da Flórida, Carolina Rodrigues da Costa Doria, e do Doutor em Ecologia de Ambientes Aquáticos e docente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Ronaldo Angelini, foi a primeira do país a utilizar modelos ecossistêmicos quantitativos na análise da produção e economia pesqueira para entender impacto de grandes hidrelétricas em rios amazônicos.
“Também identificamos alterações no preço e quantidade das principais espécies ao longo de 25 anos, o que permitiu avaliar os efeitos ocasionados pela construção das usinas hidrelétricas”, ressaltou Maria Alice. Essa análise foi inovadora e demonstrou uma queda significativa na produção pesqueira artesanal, principalmente a partir de 2009, enquanto que os preços de pescado no mercado aumentaram aproximadamente 50% (já descontada a inflação do período). Para os bagres, que eram uma valiosa fonte de renda para os ribeirinhos, o padrão é ainda mais preocupante, pois além da drástica redução na captura e aumento do preço, as barragens impactam o ciclo de vida dessas espécies, que utilizam o rio Madeira como rota migratória para reprodução.
De acordo com a pesquisadora, vários trabalhos têm salientado os desafios para gestão e avaliação de estoques pesqueiros e diferentes modelos têm sido propostos. “A falta de dados sobre as pescas continentais dificulta a compreensão sobre o efeito de mudanças ambientais em diferentes processos, áreas de pesca e espécies. Mas graças as informações da Colônia de Pescadores, conseguimos superar esta falha existente em outros locais”.
As análises apresentadas na tese de doutorado sustentam ainda a ideia de que o monitoramento pesqueiro de longo prazo é fundamental para entendimento das mudanças ocorridas na pesca em relação a diferentes impactos a despeito da limitação de alguns dados pesqueiros. Além disso, podem servir de base para a compreensão das mudanças na pesca resultantes da construção recente das barragens de Santo Antônio e Jirau na bacia do rio Madeira.
Para Dra. Carolina Doria, os resultados coletados com a pesquisa contribuem diretamente na orientação de políticas públicas e no estabelecimento de estudos prévios, consistentes e padronizados em futuros empreendimentos hidrelétricos na Amazônia. “Além disso, contribui também para orientar a aplicação dessa abordagem que pode prever impactos gerados de forma ecossistêmica em ambientes aquáticos”.
Por Natália Lima
Fonte: UNIR