Vivemos tempos de barbárie, tempos que nos lembram das piores atrocidades possíveis cometidas na história da humanidade, sendo que algumas destas se reproduzem hoje, em menor escala, mas de forma a nos causar extremos impactos. Vemos dias de atrocidades nos presídios do Amazonas, do Rio Grande do Norte, ou de Roraima, entre outras ocorrências de menores proporções sobre as mesmas questões. Também vemos as atrocidades ocorridas no Espírito Santo nestes últimos dias com a greve da Polícia Militar.
A partir desta série de cenas de violências e crimes ocorrendo, vê-se sempre pedidos sendo realizados nas redes sociais, em programas policiais e outros locais de que se promova o combate destas barbáries com a realização de outras barbáries. Descreve-se a necessidade de deixar presos se matar, apoiar a mortes de possíveis criminosos e incentivar tais tipos de condutas, como a promoção de pena de morte, de necessidade de torturas, práticas lesivas à integridades físicas e mentais ou outros meios de ofensas aos direitos fundamentais do indivíduo.
É claro que vivemos tempos em que a barbárie, entendida esta como a banalização da brutalidade, da violência e das agressões furtivas vivenciadas na sociedade, está cada vez mais latente e vivenciada por todos, que já passam a aceitar com maior normalidade este tipo de conduta. Isso faz com que se relativize a violência e a pregá-la como solução destes atos de barbárie, como meio de combatê-los e de retomar a paz social tanto almejada por todos.
Ocorre que a promoção da barbárie como meio de combate à própria barbárie não se parece um meio muito lógico, eficaz e legal de combate a tais atos de violência generalizada perpetrada por alguns em outros indivíduos da nossa sociedade.
A barbárie é uma forma de se promover a ofensa ao próprio ordenamento jurídico, já que quem assim age está cometendo ilícito, devendo ser impostas as penalidades cabíveis para cada ato prático.
A pacificação da social e a cessação deste tipo de ofensa advinda da barbárie se dá com a promoção de mais direitos, com mais concessão de direitos sociais à população que é atingida por tais ações, aplicando as condutas que a ordem jurídica já descreve tanto para a punição, quanto para evitar a ocorrência de novas situações deste tipo de ofensa generalizada.
A força não tem o condão de evitar a ocorrência de uma grande quantidade de ofensas, mas sim o Direito, como um meio de controle social e de promoção de sanção àqueles que incidem nas condutas que a lei proíbe, que é detentor desta possibilidade.
O direito importa na necessidade de impor meios para a promoção da pacificação entre as pessoas que vivem em certa sociedade, sendo a estas impostas regras de conduta para manutenção da convivência, sendo que o Estado é responsável pela descrição destas normas por via de representantes indicados pelo próprio povo que compõe a sociedade. Assim, descreve-se o Direito como responsável pela manutenção da paz e dos direitos de cada indivíduo desta sociedade.
O povo, então, está unido por um contrato social que os vincula numa sociedade, onde desempenham os todos os papéis descritos neste contrato, sendo agentes do processo de elaboração das leis e de cumprimento destas, como descrito no Contrato Social de Rousseau [1].
Assim, para Rousseau este tipo de barbárie advém da desigualdade, social e econômica, da ausência de acesso aos benefícios descrito pelo Direito e da Justiça, da ausência de devida representação ou preocupação política com os seus problemas, até a supressão de seus direitos fundamentais, o que leva a estes indivíduos ao estado de transgressão, o que colocaria a sociedade em estado de guerra.
A barbárie deve ser combatida, mas não com a promoção de atos de barbaridade, com o simples uso da força na mesma forma das ações que são desenvolvidas, com sanções desmedidas e desarrazoadas, mas sim pela aplicação dos meios que o Direito descreve como necessários para a manutenção da paz social. Neste sentido, Kant [2] vai descrever a importância do direito no processo de impedir a realização de ato de barbárie.
A violência não é meio de se impedir a promoção de atos de violência, atos bárbaros, seria como combater o incêndio colocando mais lenha na fogueira. O meio de se combater tais atos é por via da punição daqueles que promovem estas condutas; pela promoção de políticas e direitos que assegurem a diminuição das desigualdades entre os indivíduos que compõem tal sociedade, tais como a promoção de melhorias na educação, na saúde básica, na busca por oportunidades de empregos, na segurança, entre outras ações públicas necessárias; na promoção da aplicação das normas que descrevem a melhor forma da execução das penas, de forma a permitir promoção da reabilitação daqueles que sofreram sanções.
Assim, a ideia é que o Direito, por meio da aplicação das leis existentes ou na reforma das leis que não se encontram produzindo os resultados necessários, seja aplicado a tais situações de barbárie, pois o que leva a propagação deste tipo de conduta é sensação de impunidade que a não aplicação do Direito nos dá.
[1] ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social. São Paulo, Ed. Martin Claret, 2013.
[2] KANT, Immanuel. À paz perpétua. Porto Alegre, Ed. L&PM, 2008.
Sobre o Autor:
Advogado. Doutorando em Direito pela UNESA/RJ. Mestre em História pela PUC/RS e Mestre em D. Internacional pela UAA/PY. Especialista em Direito Processual Civil pela FARO – Faculdade de Rondônia e em D. Processual Penal pela ULBRA/RS. Professor de Hermenêutica Jurídica e D. Internacional da FARO e da FCR – Faculdade Católica de Rondônia. Membro do Instituto de Direito Processual de Rondônia – IDPR. Membro da ABDI – Academia Brasileira de Direito Internacional. Ex-Secretário Geral Adjunto e Ex-Ouvidor Geral da OAB/RO. Presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/RO.