No caminho em busca do acesso à terceira divisão, o Vilhena vem deixando marcas que confirmam a distância entre sonho e realidade. O clube do interior de Rondônia trilha calvário que parece não ter fim. Dono de glórias recentes como cinco títulos estaduais, participações seguidas em Copa Verde e Copa do Brasil, acostumado a ter torcida rondoniense apaixonada, o Lobo do Cerrado respira a conta-gotas na Série D do Campeonato Brasileiro. Projetado como o ano das conquistas, 2015 revelou-se o inferno-astral. Sem patrocínio, salários atrasaram, jogadores largaram o time, e quem resolveu seguir no clube, por amor ao escudo, encontra-se no limite. Para piorar, na última segunda-feira (24), o presidente José Carlos Dalanhol mandou fechar as portas e cancelou o treino da tarde após o elenco ter feito atividade pela manhã à revelia do dirigente. Em decisão surpreendente, mesmo com salários atrasados – em média, três meses -, os atletas revelaram desejo de continuar até o fim da competição. A CBF, até o momento, não recebeu comunicado da direção do Vilhena.
– Está difícil. Fomos surpreendidos hoje. O nosso presidente resolveu fechar o clube. Não sei o que passou pela cabeça dele. De manhã já não era para a equipe treinar. Tínhamos uniforme e conseguimos treinar contra a vontade dele. Ele não queria que treinássemos. Eu estou tentando de todas as maneiras, pela tradição do Vilhena, pelo amor que tenho aqui pela cidade, estava tentando fazer com que sobrevivesse e porque temos reais chances de classificação ainda… E eu estava treinando, mesmo com todas as dificuldades. Todo mundo sabe, já estava começando a faltar coisas, em termo de alimentação. Com todas as dificuldades, estávamos fazendo um campeonato bom, não passamos vergonha em nenhum jogo. Todos os jogos jogamos de igual para igual, mesmo com 12, 13 jogadores, alguns sem reserva. Aí, à tarde viemos treinar, o vestiário fechado, levaram todo o material, as bolas, tudo. Fomos impedidos de treinar. Então, a gente está dando esta entrevista, abismado. Porque eu já vi o funcionário fazer greve, agora o patrão fazer greve… Acho que é a primeira vez que acontece na minha vida em 43 anos de futebol – afirmou o treinador Marcos Birigui no estádio Portal da Amazônia.
Além de fechar as portas, o Vilhena ainda perdeu o diretor de futebol nesta segunda-feira. José Natal Pimenta Jacob enviou ofício ao presidente do clube informando o afastamento definitivo da função. No documento, não esclarece os motivos e pede que seja feita a alteração nos órgãos competentes. Procurado, o presidente do clube não quis se pronunciar a respeito do assunto, mas disse que mandou fechar as portas e que os jogadores estão insistindo em treinar. A Federação Rondoniense de Futebol não recebeu nenhum documento do time desistindo da Série D. O GloboEsporte.com entrou em contato com a CBF, mas até a publicação desta matéria não obteve retorno.
– O time eu mandei fechar. Vão acabar todos os profissionais de Rondônia por causa da imprensa. Eu mandei fechar, eles estão teimando, mandei-os parar de treinar. Amanhã eu fecho – disse, ainda na segunda-feira, o presidente José Carlos Dalanhol.
Antes de anunciar o fechamento do clube, José Carlos Dalanhol, o Gaúcho do Milho, começou a enfrentar outros problemas. Entre eles, a saída de 12 jogadores, técnico e auxiliar que acionaram a Justiça do Trabalho para receber salários atrasados, entre outros direitos. O montante gira em torno de R$ 500 mil. Os jogadores ainda denunciaram maus-tratos.
O caso, no entanto, não é isolado. Há uma semana, duas ex-cozinheiras do clube registraram boletim de ocorrência contra o presidente, que por mensagem telefônica ameaçou jogar água quente nas funcionárias.
SÉRIE D
Segundo a tabela do Brasileiro da Série D, o Vilhena enfrentaria no próximo domingo o Náutico-RR, em Roraima. Em seguida, receberia o Nacional-AM e encerraria a primeira fase da competição contra o Remo, no Pará. Com cinco pontos e na terceira colocação, o time ainda sonha com a classificação. Mas, além dos problemas com a falta de jogadores para compor o plantel, agora o time não pode treinar. Segundo o técnico Birigui, o anúncio do fechamento do clube foi feito por telefone, e uma reunião ocorreria na tarde dessa segunda-feira com os atletas que decidiram permanecer.
– Estamos prontos para defender o Vilhena, mesmo sem salário, para fazer esses três jogos, pelo menos para terminar com dignidade, não fechar o Campeonato Brasileiro. E depois tem os problemas que vão acarretar essa desistência aí. Multas, vai ficar fora de competição nacional por muito tempo, e a torcida do Vilhena é muito apaixonada. Eu vivi momentos maravilhosos aqui dentro. Não queria que terminasse dessa maneira, eu vou brigar, vou lutar. Vou sair agora no comércio, com o chapéu na mão, pedindo para ver se alguém pode nos ajudar – disse Birigui.
O time tem cinco pontos e está atrás do Rio Branco, que tem 11. Birigui acredita ser possível ganhar do Náutico-RR fora de casa e do Nacional-AM no Portal da Amazônia.
– Nós estamos aqui prontos, os jogadores estão prontos para trabalhar. Para ele o time fechou e desistiu da Série D, mas para os jogadores não, e nem para a comissão técnica. Estamos tentando ainda fazer com que o Vilhena continue, mas nós precisamos de respaldo. Amanhã à tarde está marcado o treinamento. Nós pelo menos vamos manter a nossa agenda. Não pode dizer que essa culpa será dos jogadores e da comissão, estamos prontos aqui para trabalhar, é só ter uma ajuda. Tomara que essa ajuda venha, porque está ficando até meio ruim, eu nunca tinha passado por isso em 43 anos de futebol profissional – desabafou.
CASO COZINHEIRAS
No dia 18 de agosto, Alice Porfirio Velozo, de 41 anos, e Márcia Verônica Nascimento, de 29, duas ex-cozinheiras do VEC, registraram boletim de ocorrência contra Carlos Dalanhol. A ocorrência teria sido motivada porque ele ameaçou jogar água quente contra elas se continuassem a cobrar os salários atrasados. As duas contam que as carteiras de trabalho não foram assinadas e que decidiram parar de trabalhar em virtude dos atrasos. A ameaça teria acontecido no mês passado, mas só tiveram coragem para denunciar agora.
– Foi quando a gente resolveu parar e conversar com ele. Porque toda vez ele fugia. A gente pedia para ir lá na casa (alojamento) e ele já chegava lá gritando, já com ignorância. Ele disse que a gente podia correr atrás dos direitos, pois ele não ia pagar. Insistimos, porque precisávamos. Pago aluguel, tenho duas crianças. Ele falou que se a gente voltasse lá, ia queimar a gente com água ou gordura quente. Que não era para cobrar mais dele – contou Marcia.
Alice mostra que ainda recebeu um recado pelo celular, reiterando a ameaça. Depois de tentar várias vezes, as mulheres afirmaram ter recebido parte dos salários, mas o presidente ainda deveria a elas. As duas também procuraram a Justiça do Trabalho.
– Tenho que receber R$ 1.120. É mixaria, mas ralei muito na beira do fogão. Ele humilha as pessoas, tira um barato da sua cara, e isso não é justo – disse Alice.
Por telefone, Gaúcho enfatizou que a mensagem no telefone foi uma brincadeira e não quis comentar sobre o registro policial.
BLOQUEIO NA CBF
O atraso de salário, ainda durante o campeonato estadual, levou técnico, auxiliar e pelo menos 12 jogadores a acionarem a Justiça do Trabalho para receber direitos, além de alegar maus-tratos. A dívida com os ex-atletas, segundo a Federação Nacional do Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf), gira em torno de R$ 500 mil. O clube não informa os valores. E por conta da denúncia, pela segunda vez somente este ano, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) bloqueou o sistema de registro e movimentação de atletas do time rondoniense, como uma forma de obrigar a agremiação a liquidar as dívidas com os atletas.
DALANHOL
José Carlos Dalanhol assumiu a presidência do Vilhena Esporte Clube em 2009. O time era bicampeão estadual. Em 2013, Anderson Bulhosa assumiu o comando do clube, mas o ex-presidente continuou apitando. Com título estadual de 2014, vaga na Copa São Paulo de Juniores, Copa Verde e Copa do Brasil, o presidente sonhava com um ano de glória. Levou o time-base para treinar num CT no interior de São Paulo, mas foi eliminado na primeira fase da Copinha.
Na volta para casa, contratou o ex-Corinthians Márcio Bittencourt. Na Copa Verde e Copa do Brasil também foi eliminado na primeira fase. No Campeonato Rondoniense, o time conquistou o primeiro turno, garantindo a vaga na Série D, mas o returno não foi dos melhores. Os problemas salariais começaram, e o técnico pediu demissão. Naquele momento começava a ruína da toca do Lobo. Perdeu o returno do estadual e ainda o título.
Já na Série D, o time começou a enfrentar a saída dos jogadores que cobravam salários atrasados. Com medo das ameaças do presidente, eles resolveram fugir da cidade, mas denunciaram o caso ao Ministério Público do Trabalho e ao Ministério do Trabalho e Emprego.
A Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf) comunicou o fato à CBF, que agora puniu o clube bloqueando o cadastro de novos jogadores. Com isso, o plantel do time está reduzido e tem apenas 13 atletas na disputa. Por duas vezes, o time foi a campo sem reservas. Para ajudar a angariar fundos, o clube realizou um festival de pesca no último domingo, mas não informou quanto foi arrecadado. Segundo alguns atletas que estiveram presentes ao evento, a população compareceu em grande número.
TORCIDA
A insatisfação não é só dos integrantes do Vilhena que estão com os salários atrasados, mas também da torcida, que no fim de junho lançou campanha nas redes sociais para que o atual presidente da agremiação, Carlos Dalanhol, renuncie à posição que ocupa no clube.
Uma imagem compartilhada na internet com os seguintes dizeres “Gaúcho, você não me representa, sou torcedor do VEC e não aguento mais sua má administração, salários atrasados, jogadores passando necessidades, contas atrasadas, etc… Renuncie Já!”. Até uma hashtag foi criada: #ForaGauchodoMilho. Segundo Cimá Freitas, um dos torcedores que participam da campanha, a ação tem como objetivo sensibilizar a população sobre a situação que os jogadores do time estão passando, em referência à falta de pagamentos. O presidente não fala em renúncia.
Foto: Redação
Fonte: Globoesporte/RO